Equinócios e Solstícios

A ameaça da demissão de Sócrates não pode ter escapado ao PR. Cavaco Silva pode estar a preparar qualquer coisa. Tardou a aceitar-se o Mar como desígnio nacional…

surpreendido

a ameaça da demissão de sócrates não pode ter escapado ao pr

a declaração de josé sócrates à lusa, feita a partir de nova iorque, segundo a qual pode apresentar a demissão do governo, deve ter desagradado bastante a cavaco silva.

é uma declaração politicamente significativa – e, quando a ouvi, senti que josé sócrates tinha dado um passo grande para sair do governo. cavaco silva agarrou, certamente, esta frase.

não sei se sócrates o disse intencionalmente, assumindo todas as suas consequências, ou se se tratou de uma mera dedução lógica.

não sou capaz de dizer qual das duas será a verdadeira. josé sócrates já é muito experiente, mas deslizes podem acontecer a todos.

o que posso assegurar é que cavaco silva dá muita importância a sinais (ou actos) que indiciem saída de funções.

se alguém diz publicamente que quer sair das funções que ocupa, o actual presidente considera isso quase irreversível.

o que aconteceu esta semana, logo no primeiro dia das audiências com os partidos, é bem significativo.

refiro-me às declarações proferidas pela deputada de os verdes heloísa apolónio, segundo as quais o chefe do estado estaria muito preocupado com a possibilidade de demissão do governo.

uma ‘inconfidência’ destas, depois de uma reunião com cavaco silva, não é, certamente, por acaso. cavaco quis que se voltasse a falar na frase do primeiro-ministro – a qual, de facto, não teve o destaque devido.

estou convencido de que essa possibilidade não fora, antes, objecto de conversa entre o presidente e josé sócrates. e, sendo assim, esta declaração pública deve ter desagradado muito ao presidente. e pode ter mais consequências políticas do que outro qualquer facto anterior.

se assim não fosse, nunca cavaco silva teria dado azo ou teria permitido que se tivesse ouvido o que se ouviu nas instalações da sua residência oficial.

nota: este texto foi escrito antes da conferência de imprensa do primeiro-ministro e do ministro das finanças.

esquecido

cavaco silva pode estar a preparar qualquer coisa

disse há meses que o silêncio (ou moderação) de cavaco silva só poderia ser compreendido por querer preparar uma intervenção de elevado alcance político.

muitas pessoas se têm revoltado contra a aparente resignação presidencial. perante a gravíssima situação do país, será que cavaco silva entenderia que se pode desenvolver a normal dinâmica política e institucional? será que se pode esperar que esta confrontação partidária gere a solução de que portugal precisa?

há dias assistia a um serviço noticioso em que apareciam as imagens dos diferentes líderes partidários. surgiam josé sócrates, paulo portas, jerónimo de sousa e francisco louçã, os mesmos que defrontei em fevereiro de 2005. passaram cinco anos e meio – e, dos cinco líderes partidários de então, só saí eu. todos os outros continuam.

mudou também o presidente da república e o presidente do parlamento: jorge sampaio foi substituído por cavaco silva e mota amaral por jaime gama. mas, quanto aos partidos, só o psd mudou a sua liderança. e mudou quatro vezes. de resto, os responsáveis são os mesmos.

qual a evolução de portugal nestes mais de cinco anos? que reformas foram feitas no nosso sistema político? que alterações no nosso sistema eleitoral? quanto tempo demorou até reconhecerem a necessidade de reformas óbvias, como o fim das scut?

faz muita impressão ouvir agora tantos seres eloquentes a dissertarem sobre a dívida. quantos falaram, quantas vezes, durante os últimos dez anos?

alguns vão sugerindo, em conversas discretas, que o presidente se preocupa acima de tudo com a sua reeleição. pode preocupar-se – mas ninguém duvide de que aníbal cavaco silva é um patriota. ele tem o seu modo de ser e o seu modo de agir. posso estar enganado, mas estou convencido de que algo de novo surgirá, em breve, para que possa acontecer a clarificação de que tanto necessita o nosso sistema político.

diferido

tardou a aceitar-se o mar como desígnio nacional…

o tempo que estas coisas demoram também é difícil de explicar.

a ideia da intervenção do presidente da república demorou, mas aconteceu já a ronda com os partidos. e a ideia de um governo de salvação (ou de grande coligação) começou a ganhar aderentes.

o que demora mais é outra coisa e de importância suprema: a necessidade imperiosa de melhorar e aumentar a produtividade. esta semana, no programa prós e contras, ouvi abel mateus explicar muito bem essa posição. logo de seguida, após essas palavras, jacinto nunes pediu a palavra para exprimir a sua total concordância.

esse é o caminho para a tal salvação do país: criar mais riqueza. se continuarmos só no caminho de reduzir despesa ou aumentar impostos, o futuro é muito sombrio.

é extraordinário que ninguém fale nisso nas reivindicações várias que se têm ouvido sobre as medidas que cada partido considera indispensáveis para que se possa ultrapassar a crise.

tenho a certeza de que estou certo. outro dia, pareceu-me ouvir, nas palavras de cavaco silva sobre os portos, o mar e a comparação com países do benelux, o trilhar desse caminho.

lembram-se dos assuntos do mar e das brincadeiras à volta da expressão que paulo portas fez na tomada de posse do meu governo? tanto tempo que se desperdiça neste país. que pena os maus sentimentos fazerem tanto mal às boas soluções!

repito: fim das scut, o mar como desígnio nacional, intervenção presidencial, governo de salvação nacional, criação de riqueza.

como escrevo desde o início deste espaço neste jornal, como demora a acontecer em portugal o que é manifestamente, óbvio!