desconcertante
passos coelho pode chumbar orçamento
escrevi neste espaço, há três semanas, o seguinte:
«por isso mesmo, apesar do efeito apaziguador das palavras do presidente da república, apesar das pressões internas e externas que dão a aprovação do orçamento como imperativa, eu não a daria por adquirida. não tanto pela vontade do psd de marcar a sua autonomia face a belém mas, antes, pelas razões aqui desenvolvidas – e que miguel cadilhe sintetizava na frase: «mais vale uma justa crise do que um mau orçamento».
para surpresa de muitos, o presidente do psd voltou a insistir na posição de recusa de qualquer aumento de impostos ou de eliminação das deduções fiscais.
é bom recordar que o primeiro-ministro optou pela política do facto consumado.
a juntar à ameaça pública de demissão – de que aqui falei na passada semana – josé sócrates não esteve com meias medidas e divulgou as medidas todas (até agora…) apenas duas horas depois de cavaco silva terminar as audiências com os partidos em belém.
estamos, aliás, para saber até que ponto o presidente foi informado dos detalhes das medidas. embora seja difícil imaginar que o primeiro-ministro não lhe tenha feito chegar antecipadamente, os pormenores do que ia ser transmitido ao país…
sócrates optou pelo facto consumado, também, porque anunciou medidas que tenciona incluir no orçamento de 2011, sem as ter negociado com ninguém. nem a generalidade dos seus ministros as conhecia. por exemplo: o governo decidiu o aumento de dois pontos na taxa do iva conhecendo a posição do psd sobre o aumento da carga fiscal.
por isso mesmo, ninguém pode recusar razão moral ao líder do maior partido da oposição quando se mantém coerente com o que disse antes de o primeiro-ministro ter mudado de posição sobre as políticas a seguir.
o presidente do psd só tem a autoridade diminuída num ponto: por não ter exigido, todos os meses, informação sobre o que ficou estabelecido no acordo sobre o pec, celebrado antes do verão, quanto aos relatórios de execução orçamental. nomeadamente, a evolução do sector empresarial do estado.
pode ter pedido a informação – mas, se não a recebeu, devia tê-lo denunciado.
falei aqui da possibilidade de o psd votar contra a proposta do orçamento. e das razões de quem dirige o partido para admitir essa hipótese. só isto e mais nada. ainda não é tempo.
deslumbrante
o facto principal do 5 de outubro
o mais relevante do dia dos cem anos da república foi, sem dúvida, a inauguração do centro de investigação do desconhecido. talvez por pressentirem o pouco interesse dos cidadãos portugueses pela i república, governo e câmara de lisboa manifestaram muito empenho em que a obra estivesse pronta neste 5 de outubro.
todos os que puderam assistir ‘ao vivo’ à dita cerimónia sentiram, certamente, de modo muito intenso, o contraste do que ali estava a acontecer com o estado geral do país. contraste e verdadeira ‘bofetada de luva branca’ da iniciativa privada ao sector público.
o contraste e a ‘bofetada’ aconteceram em várias perspectivas, a começar pela concepção do modelo de funcionamento e de trabalho: os médicos que lá vão trabalhar terão metade do seu tempo dedicado à investigação ou, inversamente, os investigadores terão de fazer clínica nessa divisão de tempo.
leonor beleza destacou, igualmente, o protocolo em preparação com o sns, para que os cuidados de saúde proporcionados pelo novo centro não sejam apenas acessíveis a pessoas com um determinado nível de rendimentos.
o contraste foi, também, proporcionado pela convergência entre diferentes forças políticas em torno desta realização. à saída da cerimónia, um cidadão, médico, dirigiu-se a mim e perguntou-me, educadamente, por que motivo não se conseguia no dia-a-dia da política – principalmente, na situação em que o país se encontra –, o mesmo quadro de entendimento a que tinha assistido naquela cerimónia.
ontem, das cerimónias públicas do 5 de outubro, transpareceu um sabor a passado. a cerimónia de inauguração do centro, presidida pelo presidente da república, transmitiu uma fortíssima ideia de presente e de futuro.
merece ainda ser destacado o ‘cenário’ da cerimónia, que proporcionava à assistência a possibilidade de se ‘inspirar’ no horizonte do delta do tejo e da entrada no oceano. como constituiu uma agradável surpresa a maneira como o projecto do goês charles corrêa manteve naquele sítio – e apesar da imponência do que foi edificado – a ligação dos cidadãos ao rio através de vastos e abertos espaços de circulação interna.
marcante
uma palavra para silveira botelho
na cerimónia de inauguração, leonor beleza fez referência ao enorme trabalho de joão silveira botelho na gestão de todo o processo que permitiu a nova realidade.
quem o conhece não tem dúvidas de que assim tenha sido. ele nunca quer projecção pública e prefere trabalhar com discrição.
por razões familiares, conhecemo-nos desde crianças. mas não é isso que me leva a escrever estas palavras. aliás, partidariamente, as suas opções raramente coincidem com os caminhos que tem trilhado. repito: quem o conhece sabe que não é exagerado o que aqui escrevo sobre ele.
tem uma enorme capacidade de trabalho, é muitíssimo bem informado, tem ‘muito mundo’. é exigente consigo próprio e com os outros. tem uma subtil percepção dos fenómenos do poder, na dimensão humana e na vertente institucional.
portugal tem falta de pessoas como ele na intervenção política activa. por uma questão de qualidade.
já tendo sido responsável pela formação de um governo, lamento não o ter convidado. espero que um dia, não distante, ele tenha ocasião de dar o seu contributo à governação de portugal.
p.s.1 – josé da câmara, nome grande do fado numa família de outros grandes nomes, lançou um novo disco, agora interpretando canções de um nome histórico da música brasileira: roberto carlos.
p.s.2 – o teatro villaret, em lisboa, tem em cena até ao fim de outubro, a peça as encalhadas, com as consagradas helena isabel, maria joão abreu e rita salema.
p.s.3 – joão botelho estreou o seu filme o desassossego, com elogios vários, principalmente à fotografia.
pedro santana lopes