era caloira do curso de medicina veterinária no ano de 1992. foi aí que tudo começou. no primeiro dia de praxe ficou obrigada a preparar um fado e a cantá-lo no dia seguinte. poucos eram aqueles que sabiam, mas não podia falhar. a solução foi comprar uma cassete – «tinha uma imagem da amália, a preto e branco, com uma moldura azul» –, ouvir e ensaiar. fez-se ouvir com ‘que deus me perdoe’ e convenceu os veteranos.
dois anos depois, num festival organizado pelo instituto superior técnico, na aula magna, foi chamada a representar a faculdade. cantou ‘foi deus’. e foi também o início da carreira de mafalda arnauth. «durante muitos anos esse fado ficou como um dos meus emblemas. a expressão máxima da minha fé e a minha convicção em algo divino expressava-se nesse fado cheio de significado».
hoje expressa-se noutros. pelo menos nos 12 temas que compõem o seu novo álbum – fadas. «é uma homenagem às figuras que estão na raiz da minha carreira. uma herança que nunca tinha passado cá para fora. quando me dei conta reparei que o fio condutor era, de facto, composto por essas mulheres muito importantes, a quem depois decidi chamar almas fadistas». as suas fadas. a fada amália, a fada hermínia silva, a fada fernanda baptista, a fada celeste rodrigues ou a fada beatriz da conceição. mas também a fada max, em ‘pomba branca’, que as fadas não são apenas mulheres. «são seres que intervêm com magia na vida das pessoas. e é isso que todas essas figuras fizeram comigo», explica mafalda.
portas abertas a outros sons
depois de a rua da saudade – um disco de homenagem a ary dos santos, também cantado por susana félix, viviane e luanda cozetti, lançado no final do ano passado – fadas marca o regresso de mafalda arnauth ao fado mais fado e menos canção. «acho que, apesar de tudo, este disco regressa a uma sonoridade extremamente fadista», assume a cantora. é um regresso consumado e cantado através de clássicos como ‘tendinha’, ‘saudades da júlia mendes’, ‘madragoa’, ‘pomba branca’ ou ‘hortelã mourisca’. um regresso também dito pelas suas palavras no tema ‘só corre quem ama’, um poema que escreveu para o fado menor. «é uma letra muito forte e muito real. é quase um statement».
mas mafalda tem consciência de que não deixará nunca de procurar outros sons, de escorregar por outros desvios musicais. «tenho sempre a necessidade de manter as portas e as janelas abertas para outros horizontes. a verdade é que eles também me inspiram. no meu dia-a-dia não ouço só fado. não seria justo deixar essas sonoridades de fora da música que faço». esse sentido de justiça também está presente na última faixa de fadas, uma espécie de tema bónus. chama-se ‘invierno porteño’ e foi criado por astor piazzolla e escrito por eladia blásquez. «é o meu ‘fado do mundo’ neste disco, aquele de que ando sempre à procura. é um compositor genial e na sua música consigo descobrir aquelas veias que também vibram no fado. piazzolla é uma alma fadista. este ‘invierno porteño’ contém as emoções da vida real, aquelas que fazem a essência do que é o fado».
para mafalda, tudo se resume a comunicar com os outros através da música. «procuro pôr a minha alma fadista em contacto com outros géneros. de outra forma, tenho a sensação de estar num monólogo ou numa conversa que não cria, que não gera qualquer coisa de novo ou de especial. é uma casa com a porta aberta onde entram várias pessoas. quando a comunicação se estabelece é sinal de que aquilo tem permissão de acontecer. é um bocadinho essa a minha forma de estar no fado».
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