a ex-secretária de estado do orçamento e antiga ministra da saúde critica o oe – orçamento do estado para 2011, classificando-o de irrealista, exagerado em medidas e pouco rigoroso. e diz que jamais estaria na posição do ministro das finanças: já se teria demitido. em entrevista, manuela arcanjo fala de falta de autoridade financeira de teixeira dos santos e garante que a tentaram corromper quando era ministra.
que visão global tem do oe 2011?
é um mau orçamento. tem um elevado risco de execução e uma dispersão exagerada de medidas. as que têm impacto reduzem-se a meia dúzia. neste oe, todas as rubricas mudam. ora, não há uma política orçamental viável e executável durante um ano onde tudo muda. além disso, parte de um cenário macroeconómico irrealista.
porquê?
percebo que o ministro das finanças não quisesse dar um sinal negativo, optando por um crescimento próximo da estagnação mas positivo. mas é irrealista. a quebra que tem no consumo privado é inferior à do banco de portugal (que ainda não contemplava as medidas de austeridade). além disso, assenta numa hipótese de crescimento das exportações pela recuperação de quota de mercado com base em ganhos de competitividade/custo. isto significa uma inversão da tendência dos últimos 10 anos, o que não se faz num ano.
muitos criticam o oe por ser recessivo. concorda?
qualquer que fosse o partido que estivesse no governo teria de adoptar um oe com política orçamental recessiva. o governo teve de negociar uma trajectória muito dura. não sei se o ministro das finanças teve plena consciência do que teria de fazer daí a dois anos.
definiu as metas sem pensar no esforço real?
a trajectória de défice de 9,3% para 2,3% [até 2013] foi pensada para dar um sinal aos mercados e à europa de que iríamos entrar no bom caminho. teixeira dos santos, possivelmente, não mediu bem o que isso exigiria em termos orçamentais.
já disse que o oe não está tecnicamente bem feito. porquê?
é pouco rigoroso, porque há rubricas que apresentam mais do que um valor (valores do texto não coincidem com os dos quadros). e é inaceitável que se tenha trabalhado com dois pib: um da previsão macro, outro para a estimativa das receitas fiscais.
porquê essas incoerências?
o documento foi feito um bocadinho à pressa. sei o que pode ser o efeito de introduzir coisas tarde. se não há o cuidado, ou tempo de verificar tudo, há incongruências.
este oe vai ao encontro da credibilidade que os mercados exigem?
tenho imensa pena que teixeira dos santos se tenha visto em situações em que perde credibilidade. como ele é muito simpático, agradável e bem disposto, a sua imagem não está tão afectada como isso. guardar o máximo segredo sobre o défice de 9,4% foi o início da perda da sua credibilidade. em termos internacionais, com aquele défice histórico a aparecer de repente, foi visto como alguém que deve controlar ferriamente as finanças e que foi apanhado desprevenido.
por que diz que ele se viu obrigado a estar nessa situação?
porque aqui entra a figura do primeiro-ministro. nos governos de antónio guterres, ele delegou poderes na equipa das finanças. e qualquer ministro sectorial que fizesse pressão para qualquer reforço não era com ele. sócrates não é, de todo, guterres. e teixeira dos santos, pela sua personalidade mais simpática, menos autoritária, não se impõe a sócrates nem aos ministros sectoriais. é tudo reflexo de falta de controlo, de falta de autoridade financeira. pela sua forma de ser, teixeira dos santos foi aceitando.
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