do avô plácido pouco se lembra, mas não se esquece de como tudo começou: «tinha quatro anos e o meu pai colocava uma manta no chão do ateliê e um caixote cheio de pedaços de vidro coloridos para eu brincar». passaram quase 70 anos e há 50 que joão aquino, depois do avô e do pai, joão baptista, dirige o ofício.
a primeira sala da oficina, na rua de vilar, porto, está cravejada de preciosas maquetes, testemunhos figurativos e abstractos de um século de laboração, entre desenhos de pintores como júlio resende e guilherme camarinha.
um pouco por todo o mundo, em igrejas, mosteiros, autarquias, casas de cultura, museus, hospitais, tribunais, fábricas e residências particulares reluzem histórias vitrificadas – visões pessoais do quotidiano e interpretações celestiais – criadas pela família antunes. um universo tão brilhante quanto o currículo do aluno e professor da escola superior de belas artes do porto, que lhe focou a visão em jogos de luz e cor.
a mestria, joão aquino revela-a num abrir e fechar de uma janela de vitrais: «as dimensões parecem mudar e a luz é completamente diferente», demonstra.
o vitral começa a nascer na cave da casa. um velho depósito de vidros de todas as cores e texturas, ora em chapas ordenadas nos lotes de madeira, ora em milhares de pedaços agrupados em mais de 200 gavetas. a antiguidade quer-se preservada. «a modernidade é muito asséptica», diz o mestre.
«cada gaveta guarda uma cor que corresponde a um mostruário. temos uma paleta de 400 cores», revela josé oliveira debruçado sobre um puzzle de vidro inacabado. os ruídos vítreos misturam-se com o som tímido do rádio e, ali mesmo ao lado, jorge magalhães retoca a pintura de um vitral com uma pincelada precisa, enquanto mistura a tinta.
e não tem dúvidas quanto ao mais complexo dos trabalhos que passaram pela oficina: «restaurar os vitrais de almada negreiros da igreja de nossa senhora de fátima, em lisboa, foi o maior desafio», conta.
há cinco décadas que joão, jorge e josé trabalham juntos e nas suas mãos a minúcia parece simples. completam-se os passos para armar o vitral. «a partir de outra maquete ampliada para o tamanho natural fazemos o decalque do desenho em papel e marcamos as cores dos vidros. depois procede-se ao corte, vidro por vidro. o chumbo é o material aglutinador», explica o responsável. o processo é lento. «há trabalhos que demoram dois anos a fazer», diz aquino.
a oficina antunes guarda ainda algumas peças em miniatura, como uma clarabóia pendurada no tecto, cem vezes menor do que a original, instalada no centro cirúrgico de coimbra. «replicamos as peças mais didácticas para juntar ao nosso espólio, que em breve vai passar a ter residência aqui mesmo em frente na futura casa do vitral», adianta o professor. é no seu ateliê, dois andares acima, que o pintor esboça as suas obras numa parede forrada a madeira que serve de prancheta.
em destaque, pousada num cavalete, está a ressurreição de cristo – a sua ‘capela sistina’ como lhe chama aquino: «fiz isto para a igreja matriz de vila nova de famalicão. é talvez o maior vitral do país e não mudava nada».
vidraria antunes; rua de vilar, 19
porto
tel. 226 065 605