Equinócios e Solstícios

Sá Carneiro irradiava uma luz e uma mística únicas.

diferença

os admiradores póstumos de sá carneiro

foi editado um livro de miguel pinheiro sobre francisco sá carneiro. foi reeditado outro, sobre o mesmo tema, de maria joão avillez. dia 1 de dezembro será apresentado um livro sobre conceição monteiro, a sua fidelíssima secretária.

é verdade que no próximo dia 4 de dezembro passam 30 anos sobre a tragédia de camarate. há, por isso, razão para que se fale de francisco sá carneiro.

a esse propósito, são muitos os convites que tenho recebido para falar nesse dia. não pude, contudo, aceitar nenhum, por ter um compromisso privado muito importante. mas este ano – ao contrário de tantos outros, nestas três décadas –, além de não poder, também não queria aceitar.

este ano seria muito complicado falar de francisco sá carneiro. por múltiplas razões, que não são difíceis de perceber, a sensação de perda é muito maior – tal como a vontade de comparar.

na apresentação do livro de miguel pinheiro, ouvi o historiador rui ramos falar sobre sá carneiro. aliás, na mesma semana em que conheci o politólogo andré freire, por termos sido oradores no mesmo colóquio, no porto.

hoje em dia, o tempo passa tão depressa e os acontecimentos sucedem-se a tal velocidade que os historiadores já falam mais do presente do que do passado. na verdade, o futuro está sempre a chegar e cada vez mais depressa.

aprecio o que leio de rui ramos. ele explicou bem o que representou francisco sá carneiro. e o que podia ter representado. como é natural, não concordei com tudo. mas o que me impressionou foi constatar que as pessoas procuram dizer tudo bem – mas há uma parte em que não o conseguem fazer. eu tive o privilégio de conhecer sá carneiro. e, embora não goste de lamechices e deteste os que olham mais para trás do que para diante, constatei que havia nele uma luz, uma energia, um entusiasmo, uma mística, absolutamente únicos. e que contraste com o que temos hoje, santa maria!

houve pessoas que conheceram bem sá carneiro e nunca gostaram dele no plano político. nunca sentiram o que ele representava. passaram a gostar dele depois de 4 de dezembro de 1980. e fazem muitas conferências sobre ele.

presença

se fosse vivo, já teria rompido com isto

vamos atravessando os quotidianos enfrentando o nevoeiro de apagada e vil tristeza que cobriu portugal. quem sabe ‘a massa’ de que era feito francisco sá carneiro não tem qualquer dúvida de que ele já teria rompido com tudo isto. ponho a questão ao contrário: alguém acredita que no quadro actual ele estivesse com ‘meias tintas’? há muito que teria indicado um caminho alternativo.

francisco sá carneiro partiu há trinta anos. e continuam fascinados por ele. e este ano, no 30.º aniversário, vai ser bonito. mas alguém se lembrará de que, no ano a seguir à tragédia de camarate, o então presidente da república recusou a proposta do governo para que francisco sá carneiro, adelino amaro da costa e antónio patrício gouveia fossem condecorados, a título póstumo, no 25 de abril de 1981, com a ordem da liberdade?

não relembro este facto para reabrir feridas. pelo menos, nunca ouvi ramalho eanes entrar em hipocrisias… mas é bom que se medite no mal que se faz às pessoas.

tenho revisitado, por causa de uma investigação que estou a fazer, alguma imprensa de 1980, ano em que sá carneiro exerceu o cargo de primeiro-ministro.

transcrevo:

portugal hoje: «um fracasso»; «um homem de poder em estilo saloio da dama de ferro britânica»; «viaja e fala, recebe e sorri, gosta de ser vedeta».

o diário: «modelo acabado de… incompetência e falsidade».

a luta: «sob uma máscara de rigor e lábia judiciosamente dúbia».

o jornal (antecessor da visão): «desperta cada vez maiores resistências em certos sectores da igreja que jogam na estabilidade democrática»; «começa a perder apoios nos eua e na alemanha federal».

opção: «irresponsável»; «estratégia desestabilizadora e potencialmente golpista».

estes são só alguns exemplos do que se ouvia todos os dias. alguns, ao lerem estas citações, dirão que já não interessa. interessa, interessa. continua a fazer-se o mesmo em portugal: destruir, destruir, destruir.