inadmissível
declarações de merkel são muito graves – considero inaceitáveis as mais recentes declarações de angela merkel. destacam-se, pela negativa, aquelas em que manifestou o seu convencimento de ser muitíssimo séria a hipótese de outros países seguirem o caminho da irlanda.
escrevi, há cinco semanas, que os titulares dos mais altos cargos do estado português tinham a obrigação de responder às constantes ingerências nos assuntos internos de portugal por parte de governantes estrangeiros ou diplomatas com especiais responsabilidades. e as consequências das declarações da chanceler alemã são incomensuráveis.
tive oportunidade de participar em reuniões com ela, quando era líder da oposição do seu país. pude verificar que se trata de uma pessoa reservada, prudente, que não deve deixar nada ao acaso. por isso mesmo, há muito a esclarecer – pois as palavras a que me refiro não são, certamente, fruto de qualquer mau humor momentâneo.
a união europeia não pode continuar neste caminho. a ideia que dá, neste momento, é a que existe uma estratégia para colocar alguns países da ‘segunda velocidade’ sob tutela, via fundo europeu e via fmi.
ou, em alternativa, o tal caminho de saída do euro desses países em situação mais débil. ou a saída só da alemanha…
tenho lido vários textos sobre a actuação da chanceler alemã.
ainda recentemente, a propósito da cimeira de seul, muitas foram as análises ao seu aparente recuo na questão das responsabilidades dos credores privados de países que atingissem a ‘bancarrota’.
eu nunca quis entrar por esse caminho, até pela contenção que deve ter quem já desempenhou funções equivalentes.
mas, desta vez, o interesse nacional manda que se diga que portugal não pode ‘olhar para o lado’ ou fazer de conta que não ouve. e também não chegam as conversas entre as chancelarias.
portugal tem o dever de solicitar um conselho europeu, ou um ecofin extraordinário, para a alemanha clarificar os seus verdadeiros propósitos.
a estratégia das autoridades portuguesas tem sido fugir à comparação com a irlanda e afastar, em absoluto, o recurso a um pedido de ajuda, ao contrário de dublin.
presidente da república, primeiro-ministro, dirigentes da oposição, personalidades europeias e de outros continentes com funções relevantes e/ou de prestígio reconhecido têm multiplicado declarações atestando que os dois casos são completamente diferentes.
e agora vem uma parceira europeia empurrar-nos para um ‘poço’ de onde pretendemos fugir?
exigível
uma cimeira das ‘próximas vítimas’ – não podemos, de qualquer modo, ignorar a frase dita há cerca de duas semanas pela mesma angela merkel, numa convenção do seu partido: «se o euro falhar, a europa falha».
então, se pensa assim, se voltou a manifestar a mesma posição sobre os privados e o resgate das dívidas soberanas, como pretende resolver o problema?
portugal e outros países em espiral de desconfiança não podem continuar à espera que lhes vibrem um golpe que não querem sofrer. num estado soberano, mesmo que atormentado pela dívida, a defesa da dignidade e dos seus interesses exige uma considerável dose de voluntarismo, de capacidade de iniciativa.
se tudo continuar a decorrer como até aqui, será muito difícil evitar que tenhamos de pedir a intervenção dos tais fundos. é, pois, necessário reagir – e não seria despropositado pensar numa cimeira dos países que têm sido referidos como ‘os próximos’.
é bom lembrar que o ministro dos negócios estrangeiros, numa recente e polémica entrevista, fez referência a uma possibilidade de saída do euro. ora, nunca esse ministro fora tido por imprevidente…
repito: a defesa do interesse nacional exige que tomemos a iniciativa de não deixar prosseguir um caminho que só nos pode prejudicar. e acredito que será mais eficaz uma reacção concertada, pelo menos, com a espanha e com a itália. por muito que esses países não queiram equiparar-se ao que é apontado como ‘o seguinte’, é bom lembrar-lhes que, até há dias, nós também não estávamos nessa posição. se portugal caísse na situação da irlanda, os tais mercados iriam ficar por aí – ou começariam logo a olhar para a ‘próxima vítima’?
imprevisível
canavilhas não tem razão no teatro de s. joão – este governo e o partido que o apoia começam a dar sinais de que o poder de quem os lidera já não tem a mesma força.
não vale a pena referir as várias entrevistas e declarações de ministros, deputados e dirigentes do ps divergindo da linha oficial.
por exemplo: a propósito dos cortes nos vencimentos da função pública, foi bem diferente o que disseram um vice-presidente do grupo parlamentar do ps e o ministério das finanças: este disse que os cortes seriam para sempre, o outro afirmou o oposto. e, sobre os impostos que a banca paga, surgiram iniciativas de deputados socialistas que põem em questão a orientação governamental.
agora, foi um secretário de estado do ministério da saúde que veio assumir publicamente a divergência relativamente à decisão de uma ministra do mesmo governo. aqui há tempos era impensável que isto acontecesse à liderança de josé sócrates.
quero fazer uma referência especial a essa divergência entre gabriela canavilhas e manuel pizarro – o tal secretário de estado que se diz querer ser o próximo candidato do ps à câmara do porto.
ela reside na perda de autonomia do teatro nacional de são joão.
como não me importo de referir e sublinhar, fui responsável, enquanto secretário de estado da cultura de cavaco silva, pela compra e ‘nascimento’ daquele teatro. foi minha a ideia de conferir ao novo espaço o estatuto de ‘teatro nacional’, colocando-o no mesmo patamar do teatro nacional d. maria ii. integrar o teatro de são joão numa estrutura centralizada é mau para o porto.
em portugal, tudo o que seja centralizar é mau. tudo o que seja descentralizar é bom. nomeadamente na área da cultura, em que o país tem tantas carências por esse território fora.
também aqui costumo guardar reserva – pelas responsabilidades que tive durante cinco anos naquele sector da governação. mas esta medida é demasiado significativa para que possa manter silêncio.