a descida é assustadoramente vertiginosa. uma espécie de serpente de alcatrão que o homem escavou naquela encosta. o carro desce devagar, devagarinho, num exercício de equilíbrio, sempre com a sensação do abismo. avista-se, ao fundo, a fajã lávica, a plataforma onde pousa o edifício renovado das termas da ferraria, bem no limite da terra e do mar. só a viagem já valeu a pena. mesmo numa manhã de ventos fortes com o céu a ameaçar cair-nos sobre a cabeça.
outrora, esta sinuosa vereda era feita de burro ou a pé. as quatro rodas só ali passaram pela primeira vez em 1991. desciam aquando da maré baixa, em busca dos milagres das águas salgadas termais, com alto teor de enxofre e temperaturas que podem atingir os 40.º c, indicadas sobretudo para problemas de reumatismo e do foro gástrico.
já no século xvi, gaspar frutuoso referia, em saudades da terra, uma ribeira de água quente onde as pessoas se banhavam e lavavam animais. em 1888 ali foi construído um primeiro edifício termal, mas apenas nos anos 30 do século passado surge uma referência oficial, através da direcção geral de minas, reconhecendo as propriedades terapêuticas do local. as termas acabaram por ser integradas no sistema público de saúde, muito graças à divulgação do médico carlos pavão de medeiros. mas o local foi abandonado há cerca de três décadas, ainda que as pessoas da zona ali continuassem a ir, em busca dos poderes daquelas águas.
após um investimento de cerca de quatro milhões de euros, o prédio de janelas emparedadas ganhou vida no início de setembro. os quatro sócios – uma engenheira, dois fisioterapeutas e um economista -, recuperaram a traça antiga do exterior, mas o interior vive na modernidade. a filosofia renovou-se passando por aliar o spa ao conceito tradicional das termas e às técnicas de fisioterapia.
para nós, o dia começou na piscina interior. com uma temperatura ideal e um odor muito suave a enxofre – muito longe de se tornar incomodativo -, a terapeuta encaminhou-nos para as águas com a indicação de que não deveríamos fazer qualquer esforço, apenas entregarmo-nos nos seus braços. o ‘floating in (e)motion’ é um tratamento de assinatura deste spa termal – que também está a desenvolver os seus próprios produtos, recorrendo às plantas típicas do arquipélago. com as pernas apoiadas numa bóia e o tronco suportado pela terapeuta, de olhos fechados, o nosso corpo faz suaves movimentos ondulantes e quase nos sentimos a abandonar o local.
já no estado de total relaxamento, segue-se um tradicional duche vichy, com massagem, mas utilizando as águas termais. a massagem prossegue com o tratamento ‘quietude’ e o nível de relaxamento e tranquilidade é tal que se torna impossível resistir ao sono.
de saída, com uma tremenda sensação de leveza, reparamos que o vento amainou e o céu cinzento foi trocado por um intenso azul.
raquel.carrilho@sol.pt
termas da ferraria
rua ilha sabrina ginetes, são miguel
açores tel. 296 295 013
floating in (e)motion – €77
duche vichy – €77
massagem de relaxamento – €70