contrastante
portugal entre a glória e a dependência – no início do século xvi, portugal respirava esplendor e glória. em 1513, d. manuel i enviou a célebre expedição ao papa leão x para demonstrar a sua fidelidade e, ao mesmo tempo, o seu poder. mas apenas 70 anos depois portugal perdia a independência. o rei de portugal passou a ser o mesmo que o rei de castela. filipe ii por lá, filipe i por cá.
vínhamos da celebração do tratado de tordesilhas, no final do século anterior (1494), em que os reis católicos de espanha dividiam o mundo ‘ao meio’ com d. joão ii, rei de portugal, o príncipe perfeito.
tínhamos descoberto o caminho para a índia por mar e chegado a terras de vera cruz. abríamos feitorias na flandres, pelas paragens onde agora estão os edifícios da união europeia.
éramos poderosos, ostentávamos poder, levantávamos os jerónimos, vendíamos as especiarias nas praças comerciais do centro da europa. éramos a maior potência marítima.
na igreja da época, a polémica era com a distorção das indulgências. a igreja começava a conceder perdões de pecados, de forma sabida e assumida, em troca de compensações materiais.
lutero e calvino, por terras da suíça e da alemanha, espalhavam a mensagem da reforma protestante. henrique viii, em inglaterra, com os seus casamentos, rompeu com a santa sé e criou uma nova igreja, a anglicana.
o poder que à época existia acima dos estados, o espiritual, era seriamente abalado.
em meados do século xvi reúne-se o concílio de trento (1545-63), em resposta à contestação luterana e calvinista. a europa estava dividida religiosamente – e também politicamente – com os combates por causa do poder enorme de carlos v, da áustria, e de carlos i, de espanha, senhor de um império ‘onde o sol nunca se deitava’.
no meio de tudo isto, d. joão iii, o piedoso, sucedeu a d. manuel i, o venturoso. o novo monarca casa com catarina da áustria (irmã de carlos v) e preocupa-se, acima de tudo, com o poderio naval e a protecção das rotas comerciais.
é o tempo em que luís de camões exalta os nossos feitos. é a época, também, de sá de miranda e de garcia de resende. mas, como sempre, gerimos mal as riquezas e os recursos que foram chegando. d. joão iii vê-se obrigado a encerrar as feitorias, a meio do século, porque saíam muito dispendiosas em virtude dos gastos excessivos. era um sinal forte do que aí vinha.
constante
os nossos diplomatas têm sido sábios – d. joão iii morre e não deixa descendência directa. todos os seus filhos morrem e d. catarina assume a regência.
mas, contestada por muitos, acaba por suceder a d. sebastião, de cognome o desejado.
este preocupa-se com as alianças com os parceiros continentais e casa com margarida de valois, princesa de frança.
sente a ameaça vinda da meseta castelhana e preocupa-se com a expansão turca para o mediterrâneo ocidental, decidindo-se a fazer uma reafirmação de força nas praças do norte de áfrica.
porém, perdemos o rei e perdemos a independência. o cardeal d. henrique tenta resistir nos açores, mas parte significativa da aristocracia e da burguesia continental apoia as pretensões espanholas. sessenta anos mais tarde, no entanto, o duque de bragança seria aclamado rei de portugal, como d. joão iv – proclamando nossa senhora da conceição como padroeira de portugal.
se lembro todos estes acontecimentos do fabuloso século xvi é para que as pessoas recordem que a história da vida de portugal é uma epopeia de avanços, recuos e novos avanços.
é um roteiro de luta constante pela defesa da sua independência, numa europa quase sempre conturbada. sem querer fazer comparações, os estados tinham antes a supremacia do vaticano e agora têm a supremacia de bruxelas. antes tinham o senhor do sacro império romano-germânico; agora têm a senhora do império do euro-marco.
há séculos que a nossa diplomacia vai procurando gerir, com sabedoria, as alianças com os diferentes poderes para garantir a nossa soberania. e o mesmo tem de acontecer nos tempos de hoje, nesta europa e neste mundo tão complexos.
fascinante
temos de aprender com a história – falo dos desafios de portugal ao longo da sua história por causa dos que enfrentamos agora. já lidámos com entidades muito mais complicadas do que fundos e agências de rating. mas pagámos sempre muito caro quando fizemos as escolhas erradas, principalmente em política externa.
em política interna, como é óbvio, os erros também se pagam. trinta anos depois da morte de francisco sá carneiro tem sido reconfortante avaliar o fascínio que a sua personalidade cada vez mais suscita. e é muito curioso constatar que, nesta ocasião, muitos procuram imaginar como teria sido portugal se sá carneiro não tivesse partido.
todos os exercícios de imaginação são admissíveis. mas, mais do que admissível, é aconselhável que todos ponderemos no que se fez a sá carneiro enquanto viveu.
quantos que hoje lhe elogiam a visão política se recusaram a conceder-lhe, com humildade, o crédito das suas capacidades de liderança? e, se francisco sá carneiro fosse ainda vivo, será que lhe tinham reconhecido as mesmas capacidades – ou, pelo contrário, tinham continuado a fazer-lhe a vida num inferno?
portugal já viveu muitos momentos difíceis. assim continua a acontecer. será que já aprendemos as lições do passado? será que passámos a ter mais cuidado com quem caluniamos ou com quem, de repente, aclamamos? será que queremos convencer-nos de que não podemos continuar a desperdiçar oportunidades e recursos? será que não queremos encerrar mais feitorias?
vale a pena, nos dias que atravessamos, ‘visitar’ muito a nossa história. a nossa história de todos os séculos desde que fundámos a nacionalidade. em todos eles tivemos de ultrapassar fases muito complicadas. no sistema político, na vida económica, no povoamento do território, nos dilemas da política externa, em todas essas áreas há muita coisa que regressa ciclicamente ao primeiro plano.
como queremos continuar a ser independentes, está na altura de aprendermos. de uma vez por todas.