Museu às escuras

O Museu da Quinta de Santiago, em Leça da Palmeira, é um belo edifício histórico de finais do século XIX. Fomos conhecer os cantos à casa numa visita diferente: às escuras e de lanterna na mão.

em 1890 era nas páginas dos jornais que as famílias nobres anunciavam o ‘dia de receber’. «as recepções em casa, entre as famílias mais abastadas, eram frequentes», explica cláudia almeida na galeria da entrada da casa, onde a família santiago de carvalho e souza recebia os seus convidados.

a mesma casa, transformada em museu que inaugurou em 1996, abre agora as portas aos visitantes, nas primeiras quintas-feiras do mês, para uma ‘visita às escuras’. à luz da lanterna vamos percorrer as principais assoalhadas do edifício numa viagem focada nos pormenores decorativos, reveladores do estilo e da sociedade da época.

oriundo de uma família da nobreza minhota, joão santiago de carvalho mandou construir esta casa, em leça da palmeira, para passar férias. «a zona era uma estância balnear por excelência, ‘chique a valer’ como diria eça de queirós», refere a museóloga. o dono gostava tanto dela que aqui acabou por viver com a sua mulher, d. maria carolina, e o único filho, dinis, mais tempo do que na residência permanente da família – o paço de s. cipriano, em guimarães.

imaginada como um castelo, com um toque mais moderno, o palacete com uma torre quadrangular reúne vários estilos arquitectónicos. o neo-medieval é notório logo na entrada, pelo vitral de coloridos fundos de garrafa, pelos emblemas em baixo relevo nas paredes e pela simbologia, como a imagem do cavaleiro pintado em cima de uma porta com um escudo marcado com o ‘s’ de santiago ou a alusão a animais irreais, como a besta que decora o bestiário – um banco.

a porta, como revela cláudia, divide ‘a casa escondida’: «era uma divisória entre o edifício principal e as instalações dos empregados. o serviço aparecia pronto mas não se via ninguém a circular», conta.

na divisão contígua, o fumoir (sala de fumo), encontra-se o busto do pequeno dinis, uma obra de teixeira lopes. o ambiente é faustoso: a riqueza das pinturas dos tectos e dos frisos nas paredes, os baixos-relevos, as maçanetas das portas esculpidas e, novamente, as bestas, agora num tom mais aligeirado.

há uma mistura de estilos visível: neo-manuelino, neo-barroco, neo-clássico, neo-medieval e romântico. «a decoração caracteriza-se pelo ecletismo. havia um horror ao vazio. tudo é decorado, o tecto combina com o chão, que combina com as paredes», resume cláudia que nos incitou a direccionar a lanterna para um recanto escondido no tecto. «estão a ver aquelas ranhuras? é um respiro, um elemento curioso que está presente em todos os espaços», anuncia .

o pormenor técnico foi enaltecido por fernando távora que se encarregou do restauro da casa dos santiago, nos anos 90. segundo o arquitecto, mais do que o arejamento pretendido pela família, este sistema foi precioso na conservação do edifício cuja estrutura se manteve praticamente intacta.

a obra original coube a outro arquitecto, veneziano, o prestigiado nicola bigaglia, também desenhador e aguarelista com domínio dos estilos clássicos e dos processos ornamentais. a delicadeza do seu traço, aliada ao gosto pela arte dos proprietários, é visível nas restantes divisões, como na sala das senhoras, estilo luís xvi, ou na sala de jantar, estilo renascença holandesa.

continuamos a apontar o foco de luz e descobrimos no jardim de inverno uma salamandra em cerâmica, comprada na rússia pelos proprietários, umas rodelas de madeira nas paredes do escritório, onde se penduravam os candeeiros a gás, portas falsas , um oratório e três signos do zodíaco. mesmo às escuras, ficou muito clara a história desta casa. e divertimo-nos!

museu da quinta de santiago
rua de vila franca, 134
leça da palmeira

tel. 229 952 401 (marcação prévia)

primeira 5.ª de cada mês