Equinócios e Solstícios

Falta saber qual será o reflexo na actualidade da AD de 1979.

significativo

finalmente, psd e cds evocaram acontecimento em conjunto

as iniciativas que rodearam o 30.º aniversário da morte de francisco sá carneiro justificam alguma ponderação, na base de uma análise tão serena quanto possível.

já se falou da actividade editorial, com novas edições ou reedições integrais. já foi registada a impressionante curiosidade – e mesmo fascínio – que, 30 anos depois, a personalidade de sá carneiro suscita. tivemos todos oportunidade de seguir as reportagens das cerimónias oficiais. falta, agora, a avaliação política dos aspectos mais ligados aos reflexos na actualidade – nomeadamente, quanto ao comportamento dos dirigentes dos dois maiores partidos da aliança democrática.

antes do mais, devo sublinhar que sempre me chocou o facto de não ser feita referência, em muitas cerimónias religiosas, a adelino amaro da costa e às outras vítimas da tragédia de camarate.

para além dessas cerimónias, muitas notícias, ano após ano, limitavam-se a referências unipessoais. para 4 de dezembro de 2004 fiz questão de pedir que não se deixasse de fazer referência a todos os que seguiam no avião.

isto tem que ver com a consideração pessoal e o respeito pelos sentimentos de todas as famílias e das diferentes forças políticas enlutadas.

entretanto, outra dimensão distinta é o facto de, pela primeira vez, as cerimónias terem sido conjuntas.

não digo que o cds/pp se importasse de organizar as cerimónias só por si. claro que não. mas é óbvio que, realizadas em conjunto, tiveram outro impacto político.

abusivo

por que se distorce a verdade histórica?

o que fez mais confusão nestas semanas foi a frequente adulteração da verdade. e algumas opções incompreensíveis.

no filme oficial da entidade responsável pelas cerimónias, do lado do psd, chegou-se ao ponto de ouvir, nos poucos depoimentos gravados, nem mais nem menos do que ramalho eanes.

todos têm direito a falar e até a arrepender-se. e até já referi que eanes tem tido o bom senso e a dignidade de não aparecer nos ‘admiradores póstumos’ de sá carneiro. só que não estávamos perante um trabalho científico mas perante um documentário feito para uma data especial. e é preciso não ter noção nenhuma do que era o combate travado por sá carneiro na altura em que morreu para fazer um tal convite.

atenção: digo sempre – e repito – que não há sacerdotes do templo do sá-carneirismo. mas isso não impede ninguém de ter a sua opinião e de se chocar com opções alheias.

há muita vontade de se reescrever a história. e, muitas vezes, há palavras e imagens que não podem ter outra interpretação.

um exemplo: dizer-se que adelino amaro da costa foi sempre um entusiasta da aliança democrática não corresponde à realidade. amaro da costa, político de grande e nobre dimensão, foi (segundo o que sempre se disse e escreveu) o principal inspirador da estratégia ‘das bossas do camelo’, que justificou o governo ps-cds em 1978.

esta orientação pretendia fazer dos dois partidos as principais forças do sistema político, ’ensanduichando’ o ppd/psd e empurrando-o para baixo. tem mal? nenhum. diminui amaro da costa? nem pensar. mas qual a razão para se tentar mudar a verdade histórica?

outro exemplo: nesse tal filme do ipsd, julgo ser mário soares quem diz que tinha quase acordado com sá carneiro um referendo sobre a constituição… ora, só se foi muito em segredo. porque é sabido (e sabem especialmente os que trabalharam com sá carneiro nessas matérias) como ele lutou praticamente sozinho por essa possibilidade, sem encontrar eco em qualquer outro destacado dirigente político.

não fui só eu a notar estes detalhes. até o significado dos dois convites para falar de sá carneiro e amaro da costa na cerimónia conjunta psd/cds (na qual julgo que os líderes não falaram) tem que se lhe diga. é que o curriculum político de antónio capucho, presidente da câmara de cascais, ex-ministro e conselheiro de estado, é muito diferente do de josé luís cruz vilaça, distinto advogado, ex-secretário de estado e ex-juiz do tribunal da união europeia.

mesmo quando as escolhas são de outros, temos obrigação de cuidar do património pelo qual somos responsáveis. tudo o que me chegou, mesmo nas opções gráficas, não cuidou devidamente das diferenças que existem e que não podem ser esquecidas. na saudade e na dor não há comparações nem avaliações. no respeito pela verdade e na verdade do respeito, aí sim.

elucidativoos que queriam a verdade eram ‘inconscientes’?

foi também proposta agora uma nova comissão de inquérito sobre camarate. apoio a ideia, para que se possa realizar o trabalho que, por uma razão ou por outra (todas incompreensíveis), ficou por fazer.

mas também era importante que se fizesse um inquérito de apuramento de responsabilidades quanto à investigação propriamente dita, às acções e às omissões.

inquirir 30 anos depois é sempre útil. até o ps, o pcp e o be estão de acordo. mas pena é que não tivessem mostrado igual empenho em 1981 e 1982.

é sempre devido lembrar o insuperável estoicismo de augusto cid. mas é pena que muitos se tenham calado ou se tenham oposto, quando alguns – poucos – levámos (também sobre os resultados dessa investigação de cid) moções, propostas, votos, intervenções, à distrital de lisboa, aos conselhos nacionais e a congressos.

na altura, quantas vezes nos chamaram de irresponsáveis, nos acusaram de aproveitamento, nos trataram como inconscientes. quando teria sido mais fácil descobrir a verdade: nessa altura ou 20 ou 30 anos depois?

na época, querer saber a verdade era igual a ser ‘viúvo’ de sá carneiro. era atestado de primarismo e de falta de inteligência. por isso, ouvir certas intervenções, tanto tempo depois, soa a falso e é quase ofensivo.

querem conferir e aprofundar? vão analisar o congresso do psd, no porto, em dezembro de 1981. eu tinha 25 anos. leiam a moção que lá levei, leiam o que se escreveu e o que se disse. e, tal como nessa ocasião, estudem várias outras circunstâncias naqueles dois anos.

sou muito sensível a estas distorções? sim: sou especialmente sensível. também noutros planos as distorções da verdade estão sempre a acontecer, e algumas bem graves (por exemplo, forjando défices imaginários).

continua essa saga em portugal. é uma tristeza ter um sistema político em que a mentira consegue facilmente virar verdade. quem quiser que se cale. eu faço questão de não deixar passar, nem os detalhes. é que, muitas vezes, eles são especialmente elucidativos sobre as intenções silenciadas.