frustrante
debates estão a ser condicionados
os debates presidenciais em nada têm contribuído para empolgar portugal. com o quadro geral do país, era de esperar que houvesse algum interesse e que os candidatos o conseguissem suscitar. mas não! quase ninguém quer saber desses confrontos.
poderão dizer que o desinteresse se deve ao facto de cavaco silva surgir com grande avanço nas sondagens. talvez em parte, mas as explicações principais não residem aí.
antes do mais, manda a verdade dizer que o sistema funciona assim. o sistema não quer debates. escolhe os vencedores e, depois, faz tudo para não correr riscos.
sei do que falo. há um ano, pela primeira vez desde há muito, não houve debates a sério sobre as autárquicas. foi vergonhoso. e agora continua a mesma orientação.
há debates, mas em cima da hora e com metade do tempo. é mau para tudo, porque o país precisa de ser mobilizado.
é verdade que um presidente não governa. mas pode e deve influenciar a maneira como se dirige um país. se o chefe do estado não é fundamental para o estado de espírito de uma nação, então quem é?
deve reconhecer-se que cavaco silva tem estado à vontade e com um discurso positivo. mas falta mais: falta indicar um caminho, falta explicar atitudes, falta marcar as diferenças, falta evidenciar as alternativas.
é má a resignação.
por isso mesmo, é muito mau que se propague a ideia de que há um só candidato e quatro figurantes. é falso, tem de ser falso. mas os candidatos, que não cavaco silva, pouco têm feito para que seja diferente.
por exemplo: será normal que as questões éticas ainda não tenham merecido perguntas nem tempo de debate? as questões da moral não interessarão? saber o que pensa cada candidato da adopção por casais homossexuais não importará? e o que pensam da eutanásia?
noutro plano, o que pensam do financiamento dos partidos? o que entendem sobre a revisão constitucional? que opinião têm da duração dos mandatos presidenciais? e da redução do número de deputados?
e, noutro plano ainda, qual é a sua posição sobre o euro, sobre a saída da alemanha – ou então dos países com economia mais débil, como é o nosso caso? e sobre a regulação financeira, o sistema bancário, os produtos e aplicações do dinheiro de todos?
e o orçamento comunitário e o governo económico europeu também não interessam?
e o equipamento das forças armadas, os submarinos, as lanchas-patrulha, os blindados, os aviões, a nato, a líbia, a venezuela, a ‘colocação’ da dívida soberana?
é uma verdadeira vergonha o pouco ou nada que se fala de matérias importantes no exercício do mais alto cargo do estado.
em portugal vai baixando sempre o interesse e o nível dos conteúdos nas diferentes componentes da comunidade. mas somos capazes de muito mais e de muito melhor.
entretanto, um dia destes, o que está a passar-se com as mensagens diplomáticas vai acontecer com as redes de condicionamento da liberdade de comunicação.
e, nessa altura, as pessoas ficarão a perceber melhor como funcionou durante estes anos o que, em muitos aspectos, é um simulacro de democracia.
importante
o que fez sampaio a rocha vieira?
o jornalista pedro vieira apresentou esta semana o seu livro sobre o general vasco rocha vieira, todos os portos a que cheguei.
a apresentação foi no ccb, na passada segunda-feira. a sala estava tão cheia que não se conseguia entrar e sentiu-se o interesse que o tema continua a suscitar, para além da admiração que merece a figura do último governador português de macau.
estive naquele território em 1991, no 10 de junho, representando o estado português nas cerimónias oficiais do dia de portugal. foi logo após uma visita oficial que fiz à república popular da china como secretário de estado da cultura. pude então reforçar o respeito que já sentia por rocha vieira. tínhamos ambos pertencido ao governo de cavaco silva, ele como ministro da república para os açores e eu como secretário de estado da presidência do conselho de ministros.
as suas conturbadas relações com lisboa na parte final do mandato como governador constituem ainda um enigma. conhecida que é a sua propensão para evitar rupturas, embora sem as temer, pareceu sempre estranha a crispação e as fortes divergências com o ex-presidente jorge sampaio.
rocha vieira tem uma notável carreira de serviço público e ler as suas razões é, mais do que útil, indispensável para que possam ajuizar-se correctamente aspectos importantes da história recente de portugal.
publicações como esta ajudam a que a verdade seja conhecida. um dos problemas de portugal é que, muitas vezes, a verdade só possa surgir depois de a mentira ou o silêncio terem criado raízes.
marcante
morreu um cavalheiro
a notícia de que pôncio monteiro nos deixou é muito triste. em os donos da bola e no jogo falado fizemos uma época. com gaspar ramos, cunha leal e fernando seara a representarem o benfica, os dois primeiros na sic e o terceiro na rtp.
pôncio monteiro era um homem de devoções, de convicções, de paixões. e, nesse campo, era intransigente. não gostava de dar razão a nada nem a ninguém quando isso pudesse pôr em causa a posição daqueles a quem queria – e que defendia ‘com unhas e dentes’.
tinha um humor muito próprio, cáustico por vezes. sorria, gostava de rir, adorava uma boa gargalhada. quando desprezava, não o escondia; mas também sabia mostrar consideração pelas pessoas que respeitava.
sabia ser meigo, principalmente com as crianças. lembro-me bem do carinho com que sempre falava da minha filha. era educado e atencioso. um cavalheiro com as senhoras. com toda a gente.
era muito enternecedora a enorme ligação com a sua mulher, isabel monteiro. tinha um enorme sentido de família e falava sempre com entusiasmo das proezas dos seus descendentes.
tivemos um momento muito difícil aquando das legislativas de 2005. foi uma situação muito desagradável, que provocou um afastamento. reencontrámo-nos no aniversário do comum amigo fernando martins. estava, de novo, em grande forma. como demonstrou nos debates televisivos da tvi 24 com eduardo barroso e fernando seara.
de tudo o que dele sei, posso confirmar que procurou sempre ser igual a si próprio, não ser cínico nem hipócrita. foi uma personalidade marcante e deixa muitas saudades.
p.s. – há uns anos, uma meritória iniciativa legislativa acabou com a maldade de as crianças internadas não poderem ter um acompanhante durante a noite. era bárbaro, mas durou muito tempo.
esta semana pude constatar que, nas maternidades dos hospitais públicos, uma mãe não pode ter ninguém a acompanhá-la à noite e parte do dia. nem sequer o pai da criança. é inconcebível. é, também, uma desumanidade. então quando se trata do primeiro filho, ainda mais perigoso é. a nova mãe ainda está frágil, nunca passou por aquela situação e vê-se sozinha.
esperemos que surja, rapidamente, nova iniciativa legislativa com sentido humanitário que ponha cobro a este regime incompreensível.