memorável
conheço bem cavaco: é um homem reservado e tímido
aníbal cavaco silva tem 70 anos de idade. foi primeiro-ministro de portugal durante dez anos. antes, foi ministro das finanças do governo de francisco sá carneiro. depois, foi presidente do conselho nacional do plano, professor universitário e director do gabinete de estudos do banco de portugal.
defeitos? tem vários, alguns bem grandes. qualidades? tem várias, algumas de enorme dimensão. personalidade marcada e marcante, tem décadas de trabalho e de serviço.
conheço-o muito bem. de 1980, de 1981, de 1985 a 1995.
conheço-o, pois, há 30 anos. tinha ele 40 e eu 24. antes disso, cruzei-me com ele, julgo que em 1978, num curso de economia para jovens quadros, numa sala da rua de buenos aires.
em 1980 estivemos juntos em várias ocasiões. numa delas eu representava o gabinete do primeiro-ministro, francisco sá carneiro, numa reunião com o ministro das finanças, cavaco silva, e com o presidente do governo regional dos açores, mota amaral. discutia-se, entre outros assuntos de um dossiê complexo, a comparticipação da república na fixação do preço do leite daquela região autónoma. havia excesso de produção e, sem os subsídios de lisboa, era impossível encontrar uma solução. foi muito difícil – mas logo aí ficou claro para os presentes quem era o governante cavaco silva: duro e criterioso. justo? depende da perspectiva.
pude observá-lo mais atentamente numa visita exactamente aos açores. e, principalmente, na viagem de regresso, num hércules c-130 em que viajaram sá carneiro, vários ministros e a comitiva oficial.
aí nessas duas horas, ficaram nitídos alguns traços da personalidade do actual presidente da república. no meio da generalizada boa disposição, foi notória a reserva e a timidez de aníbal cavaco silva.
inevitável
apoiei-o desde 1981 e cheguei a ser seu segurança e motorista
o que conheci nesse ano do então ministro das finanças levou-me a apoiá-lo, logo em 1981, como sucessor de francisco sá carneiro – contra a candidatura de francisco pinto balsemão. defendi em muitos conselhos nacionais que cavaco tinha muitas características de um verdadeiro líder. fui censurado, quase ridicularizado, acusado de tudo e mais alguma coisa. diziam-me que não, que cavaco nunca havia de liderar nada. como diziam de sá carneiro.
foram tempos de luta e não conseguimos convencer o partido. nem no congresso de lisboa, no pavilhão dos desportos, nem no do porto, em dezembro desse ano, no cinema rivoli. até ao verão de 1982, em todas as estações do ano, acompanhei cavaco silva com a motivação de contribuir para o tornar líder do psd.
não consegui. os visionários de sempre opuseram-se e só acreditaram, quais ‘são tomés’ da política, depois de ele ganhar. hoje em dia, andam lá quase todos. são todos ‘cavaquistas’ de sempre. só que, na altura, desprezavam-no (e quem sabe o que pensarão hoje?…).
mais tarde, em 1985, voltei a trabalhar com cavaco silva – mas ainda quando quase ninguém acreditava que ele ganhasse. andei pelo país todo, de terra em terra, a ajudá-lo no que fosse preciso, como seu colaborador directo. fui speechwriter, segurança, motorista. fui de tudo um pouco. e ganhámos… ou antes, ele ganhou. em novembro aceitei o seu convite para o cargo que recusara, três anos antes, com francisco pinto balsemão. tinha então 26 anos e recusei, por questões de coerência, esse honroso convite de alguém que foi um bom primeiro-ministro… só que eu defendia que devia ser cavaco silva a ocupar esse lugar.
intocável
o pr tem muitos defeitos – mas é sério!
não vou fazer mais história nem contar mais histórias. falei nestes casos porque são mais distantes no tempo e há muitas pessoas que não têm ou não podem ter memória deles. julgarão que o meu relacionamento com cavaco silva vem só dos tempos do artigo da boa e da má moeda. não, nem pouco mais ou menos! antes disso – e depois dos factos que acima referi – fui membro de governos de cavaco silva quase sete anos, sempre trabalhando directamente com ele: um ano e oito meses como secretário de estado da presidência do conselho, cinco anos como secretário de estado da cultura. conheço-o mesmo bem.
todavia, de há uns anos para cá, não tem havido proximidade. e a distância é sobretudo política, baseada em atitudes ou omissões de cavaco silva durante este mandato presidencial.
só que a distância não me impede de me insurgir veementemente contra quaisquer palavras que pretendam atingir, de um modo ou de outro, a integridade de aníbal cavaco silva. não pode valer tudo – e não é por se ser candidato a um cargo no estado que uma pessoa tem de ver atacado o seu bom nome.
cavaco silva tem defeitos – e, ao contrário do que julgava, engana-se de vez em quando, cometendo mesmo alguns erros políticos graves. só que não se engana, não erra, não tem defeitos em matéria de honestidade e integridade. nessa matéria, nesse plano, nessa dimensão, portugal pode ter orgulho no seu presidente.
perguntem a cavaco, nos debates, pelas razões de alguns vetos, de algumas promulgações, de alguns discursos, de algumas mensagens. debatam com ele as suas previsões de 2003, o governo de sócrates, a sua responsabilidade nesta crise, o estatuto dos açores, a visita à república checa, as agências de rating, o seu papel e as suas opções enquanto primeiro-ministro, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a falta de um governo com maioria, a eventual dissolução do parlamento, as forças armadas, o euro. o que quiserem. agora, que não se degrade mais o país. os portugueses sabem bem que têm como presidente um homem sério.
em portugal – e noutros países – ganhou-se este hábito de incomodar pessoas íntegras para deixar os outros sossegados. assim, com ataques, queixas e notícias sobre quem é íntegro, os que enriqueceram sem que se saiba como são mais poupados.
eu queria muito uma esclarecedora campanha presidencial. mas já se percebeu que é quase impossível.
p.s. 1 – como o sol sai à quinta-feira, este artigo é escrito antes dos dois últimos debates.
p.s. 2 – para todos, boas festas e um bom ano novo.