Segunda volta

Um dos aspectos que recomendam uma segunda volta é o cabal esclarecimento do ‘caso BPN’.

voto por uma segunda volta nas presidenciais. é público que apoio manuel alegre sem objecções de consciência. com isto quero dizer que o apoio como o fiz com jorge sampaio, por algo mais do que ser ‘contra o outro’. ‘contra o outro’ fui – quando votei mário soares contra freitas do amaral, há muito, muito tempo.

‘votar por’ é diferente. nunca precisei de concordar com tudo o que sampaio disse para lhe dar o meu voto. ‘votar por’ era estar, no essencial, de acordo com um entendimento da função presidencial num contexto preciso. manuel alegre tem sido muito claro sobre dois pontos. primo, não lhe compete apoiar ou desapoiar governos, qualquer que seja a sua cor – é corajoso da sua parte afirmá-lo. segundo, alegre tem definido sem ambiguidade as suas próprias linhas vermelhas – as que usará, através do poder de veto, se algum governo quiser destruir as grandes aquisições sociais da revolução democrática, nomeadamente a universalidade dos serviços públicos, condição da sua qualidade. concordo.

esta clarificação é de enorme importância quando se sabe que a entrada formal do fmi em portugal é uma forte probabilidade. uma segunda volta permitirá que a disputa se faça entre esta interpretação social da função presidencial e a de cavaco silva, que conhecemos da sua prática como primeiro-ministro, antes, e a de presidente, entretanto.

há, contudo, outro aspecto que recomenda uma segunda volta – a do cabal esclarecimento do ‘caso bpn’. ele entrou pelas presidenciais dentro e o modo como cavaco silva se ‘atirou’ aos actuais gestores do ‘buraco’ implica esclarecimentos suplementares. desde logo, o actual pr costuma ser mais do que circunspecto com ‘os mercados’ – tem, aliás, criticado alegre por este criticar os nossos credores – e as suas declarações só agravam a já de si remota possibilidade de alienação do bpn e consequente hipótese de recuperação de ‘algum’ do que lá tem sido metido.

por outro lado, cavaco silva sabe que não se pode comparar o incomparável – e, no entanto, ele fê-lo. a questão é porquê? apenas para desviar as atenções dos antigos executivos do banco? finalmente, as afirmações do pr atingem o actual presidente da cgd, que é da sua própria comissão política de candidatura… tanto quanto dias loureiro foi membro do seu conselho de estado e o homem forte do bpn e sln foi seu secretário de estado.

que a dupla bpn/sln é uma criação realizada à sombra do cavaquismo é hoje incontroverso. que cavaco investiu poupanças pessoais na sln e que daí retirou mais-valias, também. diverso é o debate sobre o seu papel. é melhor que este se faça sob escrutínio público do que, mais tarde, em condições institucionais mais envenenadas.