Equinócios e Solstícios

A semana vista por Pedro Santana Lopes.

ligação

portugal não pode descolar da espanha

para portugal, a principal questão que se coloca em todo este processo das dívidas soberanas é a ligação ao caso espanhol.

nos contactos que vou mantendo, verifico o quanto é difícil definir os contornos e o quadro dessa relação.

tem sido dito e repetido que a espanha receia o contágio da situação portuguesa.

mas também a união europeia teme as consequências da crise espanhola no resto da zona euro. e existe a ideia de que poderia ser preparada uma solução específica para o caso espanhol, procurando prevenir o efeito dominó para itália, bélgica e, eventualmente, outros países.

aconteça o que acontecer com a zona euro – seja a alemanha a afastar-se, seja a criação de uma zona euro ii –, as soluções para portugal e espanha têm de ser similares, por muito que isso seja complicado para a burocracia de bruxelas.

tendo dimensões muito diferentes, portugal e espanha têm funcionado, desde a adesão, praticamente como ‘gémeos’.

têm seguido percursos genericamente comuns, mesmo quando essa similitude não era vantajosa para portugal. por mim, sou testemunha disso – nomeadamente, nos quase cinco anos em que participei no conselho de ministros da cultura.

sempre que lhe convinha e convém, a espanha exprime o gosto na associação ao seu ‘irmão ibérico’ e faz tudo por uma subscrição conjunta de propostas – que, evidentemente, sirvam os seus interesses.

atente-se ainda no que sempre fez a espanha quando se tratou de discutir os quadros comunitários de apoio e os programas para a coesão social.

portugal tem de ser intransigente nesta matéria. não pode descolar de espanha em nenhum caso.

esta semana, o facto de ter corrido bem a colocação de dívida portuguesa nos mercados internacionais foi recebido com júbilo no país vizinho.

bastava ler a edição online do el mundo para constatar o tom de satisfação da imprensa espanhola quanto aos resultados da referida operação financeira e aos níveis de procura registados.

cavaco silva disse: se o fmi vier para portugal, significa que o governo falhou. é uma frase muito complicada da parte de um presidente da república. muito complicada, mesmo.

pedro passos coelho disse, em entrevista ao diário de notícias, no passado fim-de-semana, que tem de haver eleições no caso de o fmi «entrar» em portugal.

josé sócrates, por sua vez, vai garantindo que não será necessário recorrer a essa intervenção.

entretanto, a referida colocação de dívida pela república portuguesa suscitou internamente reacções diversas – embora, no geral, o tom tenha sido de congratulação.

e a análise das palavras que se ouviram permite fazer algumas deduções sobre o que pensam os actuais protagonistas do sistema político português sobre o futuro.

distinção

mourinho foi muito acutilante

esta semana, devemos todos uma saudação especial a josé mourinho.

em primeiro lugar, pela distinção que lhe foi conferida. é fantástico o nível que alcançou e enche-nos a todos de orgulho. ser considerado o melhor do mundo na sua actividade merece a admiração geral.

mas a saudação é também devida por ter decidido falar em português. como é público, ele é perfeitamente capaz de se exprimir noutros idiomas, mas fez questão de se exprimir na sua língua-mãe.

mas há uma razão mais para se saudar josé mourinho: o modo como distingue a sua família, aqueles que ama e que o amam, nos momentos de maior glória. é, sem dúvida, dos aspectos mais impressivos da maneira de ser de mourinho.

o modo como ele falou desta decisão, antes de ser tomada, num excelente documentário televisivo do jornalista nuno luz, foi de uma acutilância tremendamente eficaz. disse que, a não ganhar este ano, seria praticamente impossível receber essa distinção.

sneijder, seu jogador no inter (e que antes fora secundarizado no real madrid) traduziu antes do anúncio o valor do treinador português. e, pelo que vamos todos conhecendo sobre mourinho, restarão poucas dúvidas de que preferirá como troféu de melhor do mundo, mais do que aquele que lhe foi entregue na cerimónia de segunda-feira, a gravação dessas imagens e dessas palavras do atleta holandês.

vibração

sofia escobar fez-me lembrar o parque mayer

estamos num tempo em que precisamos de fazer vibrar o orgulho pátrio. por isso mesmo, quero falar de outro motivo para reforçar esse sentimento.

tive oportunidade de assistir esta semana, em londres, a uma representação de o fantasma da ópera. julgo que foi a terceira vez que tive essa possibilidade. teatro sempre cheio, ambiente próprio de uma estreia. desta vez, a diferença é que o elenco tem como protagonista uma artista portuguesa, sofia escobar, dotada de uma voz lindíssima que muito enriquece o espectáculo a que se pode assistir no teatro her majesty.

se me permitem, recomendo a todos os portugueses que tenham essa possibilidade que vão assistir a esse espectáculo.

é impressionante. mas há portugueses residentes naquela cidade que não sabem que a estrela principal dessa produção é portuguesa.

a culpa não será só deles. é também da pouca atenção que portugal continua a prestar aos que, de entre os seus, se distinguem por esse mundo fora. com a excepção do futebol e de um ou outro desporto.

a voz cristalina de sofia escobar enche o teatro, e a sua performance merece ser conhecida pelos seus compatriotas.

durante aquelas horas, lembrando-me do tempo que aquela peça leva em cena, não pude deixar de recordar o passa por mim no rossio, da imensidão de público que afluía. e, apreciando toda a animação naquela área, voltei a imaginar o que seria o parque mayer se o projecto de frank ghery tivesse ido para diante…

sublinho o que já referi, várias vezes, em diferentes sedes: faz falta a muitas pessoas o conhecimento comparado. se as pessoas soubessem aquilo a que os outros povos têm direito, exigiriam mais e melhor. foi assim que caiu o muro de berlim – e esperemos que outros muros possam cair por essas boas razões.