Charme adolescente

A maior cidade universitária da Bélgica é tão platónica quanto efervescente. O segredo cada vez mais cochichado da Flandres chama-se Gent.

a catedral de s. bavo guarda o retábulo do cordeiro místico, obra-prima dos irmãos van eyck gent reclama a invenção das gofres. no café max provam-se as originais, de 1839

poucos sabem onde fica gent e metade deles serão sportinguistas ressabiados. mas a cidade belga tem mais para dar do que três de enfiada na liga europa de futebol. que o diga a editora lonely planet, que a elegeu como a sétima cidade a merecer uma visita em 2011, num top ten liderado por nova iorque, tânger e tel aviv.

a meia hora de bruxelas, gent é perfeita para um escape de fim-de-semana. seria fácil compará-la a bruges, mas não justo. o ar mediavalesco de bruges quase fez dela uma disneyland para adultos, um cenário de conto de fadas que teve direito a filme de hollywood (em bruges) e a que não faltam títulos como ‘a veneza do norte’. gent tem pouca parra, mas muita uva: é tão histórica e tem canais tão românticos quanto a primeira, mas persiste mais hospitaleira que turística.

os principais monumentos ficam a poucos metros uns dos outros e não é preciso mais que intuição para percorrê-los no centro da cidade – a maior área pedestre da bélgica. não há como escapar às icónicas três torres, postal da cidade, a começar pela catedral de s. bavo. além de uma cripta com vestígios românicos do século xii, esta guarda religiosamente uma obra-prima do pintor alemão peter paul rubens e o famoso retábulo do cordeiro místico, pintado pelos irmãos hubert e jan van eyck, em 1432. uma obra-prima que sobreviveu ao iconoclasmo protestante, caiu nas mãos da frança de napoleão e foi requisitada pela alemanha nazi durante a segunda guerra mundial, tendo apenas sido devolvida há 50 anos.

por sua vez, belfort, um campanário de 1313 reconhecido pela unesco como património mundial, simboliza o orgulho da independência de gent, tendo sido em tempos arquivo dos privilégios adquiridos pelos cidadãos. povo pertinaz, este, a quem a desobediência valeu mais do que uma humilhação colectiva. a mais memorável foi ordenada pelo imperador carlos v, que um dia, sem laivo de misericórdia, mandou os habitantes desfilar descalços, apenas com uma túnica e um nó de forca ao pescoço.

a igreja de s. nicolau, do século xiii, completa o quadro deixando-o de alguma forma incompleto: o restauro iniciado nos anos 60 ainda se encontra em curso. o melhor vislumbre das torres consegue-se da ponte de st. michael, ladeada pelas ruas graslei e koomlei, cujas casas medievais reflectidas no rio lys são um permanente convite a um passeio de barco. outra das melhores panorâmicas da cidade vem do cimo do castelo dos condes, onde, numa viagem ao século xii, se pode ver uma mórbida colecção de instrumentos de tortura.

o encanto nonchalant de gent extravasa o património histórico. este é apenas fachada – e que bonita – de um labirinto de pequenos prazeres para descobrir de bicicleta: cafés e restaurantes de charme – muitos deles a ganharem asas como graciosos bed & breakfast; lojas vintage e mercados (principalmente ao domingo) de encher o olho; três béguinages (antigos bairros religiosos) também património mundial da unesco; museus como o de belas artes, arte contemporânea (smak), design e o curioso dr. guislain, num antigo hospital psiquiátrico; ou a galeria viva da rua werregarenstraatje – esqueça o flamengo, pergunte pela ‘graffiti street‘…

para quem não resiste às gofres, o café max é de passagem obrigatória, ou não fosse o chefe yves van maldeghem descendente de maximiliaan, o inventor dos famosos bolos quadriculados. aos chocólatras não passará despercebida a montra da chocolatier l. van hoorebeke, cujas receitas de cacau reúnem o saber de duas gerações de chocolateiros. para os amantes de especiarias fica a dica da tierenteyn-verlent, donde é impensável sair sem um frasco da sua célebre mostarda, cuja produção caseira remonta a 1790. e há ainda um piscar de olhos aos vegetarianos, que às quintas-feiras têm menu exclusivo em praticamente todos os restaurantes da cidade.

como portugueses que somos, ao jantar fomos parar irremediavelmente ao imponente belga queen, casa cheia gerida por antoine pinto, chefe de ascendência portuguesa que assina também a decoração deste antigo armazém de cereais. um champanhe de boas vindas e ostras como entrada abriram o menu completo mardi gras, proposta da casa todas as segundas e quartas terças-feiras do mês, por €55. antoine é igualmente dono do pakhuis, também este um antigo armazém redecorado como um deslumbrante bar-restaurante – ideal para tomar um roomer, especialidade da zona feita de flores de sabugueiro.

depois, resta descobrir o que fazem os cerca de 60 mil estudantes universitários quando o céu (habitualmente) cinzento se torna breu. os bares de overpoort disseram-nos que aqui não há diferença entre uma terça e sexta- -feira e que a linha que separa um refinado roomer de uma golpada de acalorados mojitos é ténue, muito ténue…

aisha.rahim@sol.pt

como ir

voos de ida e volta desde lisboa, porto e faro a partir de €119 com a brussels airlines. os cerca de 58 km que separam o aeroporto de bruxelas de gent fazem-se de comboio por €11.

www.brusselsairlines.com

informações

www.visitgent.be

www.bedandbreakfast-gent.be

 

aisha.rahim@sol.pt