a peça não tem uma história mas conta como as pessoas são frágeis
no escuro, a luz do pequeno farol ajuda-nos a seguir as voltas de uma bicicleta, cuja silhueta se faz acompanhar pelo toque intermitente da campainha. o ciclista transporta caixas que simultaneamente se vão avolumando e caindo, à medida que duas pessoas tentam reforçar a carga, tentando empilhar o impossível. no meio do frenesim, entre caixas, pelo ar e pelo chão, há uma que resiste à ‘boleia’ e permanece em cima da bicicleta. e ganha vida!.. «uma coisa, às vezes não é aquilo que ela é!», iremos ouvir mais à frente.
a música mais acelerada faz regressar o rebuliço anterior com toda a azáfama daquela ‘central de encomendas’ que despacha dezenas e dezenas de caixas para todo o mundo. «uma caixa sem remetente», alguém estranha.
inesperadamente, os papéis invertem-se e as coisas tornam-se humanas. «às vezes as coisas gostam de ser outras coisas, por exemplo de serem como as pessoas. gostam de se mexer, de rir, de gostar e de não gostar. as pessoas/coisas e as coisas/pessoas servem para contar histórias. no mundo frágil, há histórias pequenas e grandes… as regras não são o que são, são regras de imaginação!», ouvimos.
a nova peça do teatro de marionetas do porto (tmp), com encenação e cenografia de joão paulo seara cardoso e colectivo, não tem propriamente uma história com início e fim. essa cabe exactamente à imaginação de cada um e, assim, tu podes construir a tua própria história. «é uma peça com características especiais, mais filosófica, que não se socorre do texto ou da história tradicional. esta estética é uma nova proposta do teatro de marionetas do porto para as crianças», sintetiza a directora artística da companhia, isabel barros.
a peça não tem texto nem história mas conta uma história: a da alma de cada coisa e de como as pessoas são tão frágeis como as coisas. o cenário, feito na sua maioria de caixas de cartão e biombos, é igualmente frágil mas versátil, sofrendo transformações momentâneas, construídas e desconstruídas em palco ao longo de todo o espectáculo.
rui queiróz de matos, sara henriques e sérgio rolo são os três actores que interpretam este teatro de marionetas que combina várias técnicas performativas, como a animação de vídeo 3d, as sombras, os desenhos de luz e a música, muita música, que dá ritmo às cenas.
neste mundo frágil «as coisas querem ser levadas para lugares que não conhecem e fazem pequenas e grandes viagens. no mundo frágil há pessoas/coisas que procuram coisas/pessoas. há segredos que não se desvendam, ou que ficam para desvendar, há um universo aberto e fechado. há coisas que saem de dentro de outras coisas». e há ainda uma pequena estória de amor entre duas coisas… este pequeno episódio integra uma série de opções tomadas pelo colectivo da companhia que finalizou o trabalho de joão paulo seara cardoso, interrompido pelo falecimento do director artístico e fundador do tmp. «decidimos levar até ao fim esta peça, mantendo a sua filosofia, com alguns arranjos finais. é uma peça especial porque também é uma homenagem ao joão paulo», conclui isabel barros. pelo que vimos este mundo frágil é mesmo especial!
balleteatro auditório; praça 9 de abril, 76 – porto; (jardim de arca d’água); tel. 222 089 175; até 6 fevereiro – sáb. e dom. 16h (m4)
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