Equinócios e Solstícios

A velocidade de mudança do mundo é algo de fascinante.

vertiginoso

a televisão vai acabar?

tem-se falado muito da ameaça que representa a internet para a imprensa escrita. mas com o aparecimento dos ipads, dos iphones e de todas essas inovações fantásticas, é óbvio que as mudanças vão ser muito mais profundas.

ainda há dias, participando num programa de televisão e olhando para aquela maquinaria, pensava em como tudo estará ultrapassado um destes dias. e ao ler um interessante livro (macrowikinomics: rebooting business and the world, de don tapscott e anthony d. williams, atlantic books, london, 2010), que comprei na semana passada numa livraria em nothing hill, dei-me conta de números absolutamente impressionantes.

afirma-se peremptoriamente nesse livro que a televisão, tal como a conhecemos, vai acabar. sabem quantas pessoas viam, por exemplo, os serviços de notícias da abc, da cbs e da nbc nos anos 80? cerca de 50 milhões. sabem quantas assistem agora? cerca de 22 milhões, sendo a idade média de 60 anos.

estes números fizeram-me lembrar uma conversa com a minha filha de 18 anos, nesta mesma semana, em que lhe perguntei sobre um programa de televisão que tenho seguido.

ela respondeu-me – e não é a primeira vez – que vê na net as séries de que gosta e que cada vez vê menos televisão.

o mesmo livro conta o que se passa com estudantes que chegam às residências universitárias e guardam o aparelho de tv num armário. adianta-se o seguinte:

«não é difícil explicar por que motivo a internet absorve a tv. televisão só oferece televisão. a web oferece não só o conteúdo de televisão mas quase tudo que no mundo já foi digitalizado. e é interactiva».

antes existia o argumento da diferença de tamanho do ecrã, bem como da imagem e do som. iam à internet quando perdiam um episódio. agora, já nem isso. as ligações que se desenvolvem são cada vez mais aptas a trazer um sinal de alta qualidade para um ecrã de televisão.

o google desenvolveu o ano passado um projecto de ultra-alta velocidade de ligações de banda larga, com cerca de 1 gigabyte por segundo. a cisco, por sua vez, pôs em marcha um sistema de roteamento que permitirá downloadings de vídeos e arquivos muito mais rápidos. e com uma tal capacidade que poderiam enviar a colecção inteira da library do congresso dos eua – a maior do mundo – em pouco mais de um segundo.

os aparelhos de televisão, lcd, monitores de plasma e outros passaram por upgradings que permitem receber os diferentes conteúdos da net, incluindo as redes sociais. por exemplo, os vídeos do youtube. é um processo praticamente infinito.

imperioso

cada emissão de dívida é um show

a mudança no mundo sente-se também no modo como se desenvolvem os processos chamados de colocação de dívida pelos estados. antes ninguém sabia quando e como se concretizavam essas operações em que monarquias ou repúblicas se financiavam no exterior. a liberdade de circulação de capitais, a globalização dos mercados, as tecnologias de comunicação vieram alterar, de modo radical, o quadro em que estes procedimentos ocorriam. existiam autorizações de plafonds de endividamento por parte dos respectivos parlamentos – e a opinião pública sabia da emissão de títulos de dívida, de obrigações do tesouro, de certificados de aforro fundamentalmente para o mercado interno e em condições fixadas e estáveis.

hoje, tudo é diferente. e com a sombra da crise a pairar, intensificou-se o interesse mediático – o que altera, igualmente, os factores de regulação dos diferentes custos conseguidos nas várias subscrições. cada emissão de dívida, principalmente de um país em situação mais difícil, tornou-se um roadshow comunicacional. como já referi, parecem sorteios do totoloto ou do euromilhões.

nestas ocasiões, aparecem cada vez mais indícios de uma nova ordem financeira e da necessidade da tal conferência internacional que estabeleça um novo quadro regulador destas operações, que proteja o mundo de tanta operação especulativa.

a união europeia debate a sua situação interna, o eventual reforço do seu fundo de estabilização, o futuro da sua moeda, parecendo, por vezes, olhar muito pouco para o que se passa à sua volta.

segurança, confiança, that’s what we’re looking for. em todos os domínios de organização da nossa sociedade – mas neste momento, de modo especial, no quadro regulador da actividade financeira.

forçoso

sócrates bem pode começar a correr…

ao pé de tudo isto, e de muito mais, as eleições presidenciais, cuja campanha oficial agora termina, parecem um filme a preto e branco – e, às vezes, mesmo um filme mudo.

nada daquilo se usa já: nem os comícios dos voluntários à força, nem as ‘arruadas’, nem a distribuição de material do ‘tempo da maria cachucha’… mas mau, mau mesmo, é o conteúdo dos discursos e dos debates. quase nada tem a ver com o que se passa em portugal e no mundo.

como disse esta semana, em mais um debate na tvi 24, no programa de constança cunha e sá, estou inteiramente convencido de que estas eleições marcam o fim de um modelo de funcionamento do nosso sistema político.

se há algo que os estrangeiros têm muita dificuldade em entender, é a estrutura do nosso sistema de governo. aqueles com quem contacto por razões pessoais ou profissionais fartam-se de me perguntar sobre a importância das eleições do próximo domingo. para eles, há o governo e pronto.

falo do poder executivo, claro. pode ser o presidente, como nos eua e no brasil, ou o primeiro-ministro, como em espanha, itália ou reino unido.

os repórteres estrangeiros da cnn, sky, cbs ou bloomberg vêm cá e ouvem, por causa da crise, sócrates (ou teixeira dos santos). e, agora, ouvem falar em eleições para presidente e aparecem nomes completamente diferentes – e ficam sem perceber nada.

a campanha só trouxe um dado relevante para o futuro do sistema político: a confirmação do desgaste absoluto no relacionamento entre presidente da república e primeiro-ministro. ora, como todas as sondagens conhecidas garantem que não haverá 2.ª volta, segunda-feira josé sócrates bem pode começar a correr para tentar que cavaco silva não o agarre…

escrevo, naturalmente, em sentido figurado, tentando traduzir o que irá acontecer entre ambos. e que um dos primeiros passos de josé sócrates será, muito provavelmente, a mudança significativa do seu governo. fá-lo-á antes da posse para o novo mandato presidencial? há algo que o impeça?

durante a campanha quase toda, sócrates foi para as arábias. de lá não se ouviu falar nos costumeiros joggings do primeiro-ministro. mas que já anda a correr, lá isso anda. ele sabe o que fez e também sabe que não vai ser perdoado por quem quis atingir.

a partir de agora, será tão difícil josé sócrates lidar com cavaco silva quanto seria formar um governo com manuela ferreira leite. eu disse numa entrevista ao diário económico, em maio de 2009, que para haver um governo ps/psd um dos dois teria de se afastar da liderança do respectivo partido.

neste caso, para voltar a existir diálogo institucional, um dos dois vai ter de se afastar. e não é cavaco silva – que, pelos prognósticos, vai reentrar pela porta grande. não acredito que a corda ‘estique mais’.

muito vai ter de mudar.