Por favor, incomodar

Tradicionalmente , os Globos de Ouro são conhecidos por outra designação: ‘antecâmara dos Óscares’.

ou seja, mais do que valerem por si, servem de indicador do que poderá estar a caminho nos prémios que são realmente importantes para o cinema. acontece que com a ascensão meteórica da qualidade e da relevância da ficção televisiva, assim como a lenta decadência da indústria cinematográfica, seria de esperar que os globos adquirissem um estatuto crescente. e a chamada pelo segundo ano do humorista britânico ricky gervais para apresentar a gala parecia indicar uma postura desafiadora, de assalto ao topo.

gervais – o autor de the office e extras –, conhecido por um humor no limite, fez o que lhe competia. foi hilariante e tornou a cerimónia excitante, não poupando ninguém à sua língua ácida, em vez das habituais palmadinhas nas costas ou das piadolas inofensivas. o risco de ter alguém como gervais a conduzir a noite era calculado: se os globos queriam ganhar terreno aos óscares, nada como darem-se ao luxo de arriscarem ser um sucesso através do arrojo que os outros não se podem permitir. mas para uma hollywood foreign press que é tão conservadora quanto a academia e para uma classe que está ali para passar modelos mas não para ser beliscada, gervais foi desconfortável ao ponto de ter desaparecido ‘misteriosamente’ durante uma hora e regressado em modo de contenção.

a verdade é que, como escreveu a rolling stone, «os globos são sempre uma festa televisiva de primeira água; no que toca verdadeiramente aos prémios ninguém lhes liga nenhuma». e com o rápido anúncio de que o humorista inglês não deverá voltar à função, é evidente quem perde. e não será gervais. seremos nós enquanto público e os globos na sua prolongada irrelevância.