Equinócios e Solstícios

Cavaco Silva obteve a sua quarta maioria absoluta. É, de facto, impressionante. Foi em 1987, em 1991, em 2006 e, agora, em 2011.

consagração

cavaco conseguiu um palmarés único

este ‘palmarés’ é único na democracia portuguesa – e, creio, na generalidade das democracias. não foi nem é por acaso. duas maiorias para primeiro–ministro e duas para presidente da república. e as quatro foram maiorias absolutas dos votos e não só de lugares no parlamento.

seja qual for a opinião de cada um sobre a acção política do presidente reeleito, ninguém poderá negar que, com esta eleição, reforça o seu estatuto de personagem central do actual regime político. vinte anos no poder é muito tempo. por isso mesmo, considero extraordinário que a recente campanha tenha decorrido sem que os restantes candidatos tenham conseguido evitar que cavaco silva falasse como se nunca (ou quase nunca) tivesse exercido cargos de responsabilidade.

o que teria acontecido com uma vitória eleitoral como a de cavaco silva se estivéssemos em frança, com o sistema de governo semi-presidencial que tanto inspirou o nosso?

estou inteiramente convencido de que os franceses que tivessem eleito um presidente da república logo à primeira volta não tolerariam que ele deixasse continuar em funções, por muito mais tempo, um governo de cor política oposta. ainda por cima, minoritário.

no caso, tendo eleito um presidente de centro-direita, não tolerariam que um governo minoritário socialista continuasse no poder.

a questão está em que, quando os franceses votam numa eleição presidencial, sabem que um resultado de sentido contrário ao do governo em funções determina, com alta probabilidade, a mudança de executivo. por cá, pelo contrário, os portugueses estão convencidos de que todos acabarão por ser muito felizes juntos…

oproblema em portugal é exactamente este: nada se define, tudo é equívoco ou confuso.

agora, começou o debate para tentar adivinhar se a origem do eventual derrube do governo estará no presidente ou no parlamento. ora, é bom que não o esqueçamos: ainda há um ano e meio houve eleições legislativas…

consideração

no futuro, a direita deve ter mais candidatos

para além de todo o reconhecimento dos méritos de cavaco silva, deve também ser registado que teria havido segunda volta se tivesse existido uma candidatura de direita, ou à direita.

sou testemunha de que não foi fácil a decisão (tomada por muitas pessoas) de não se concretizar essa candidatura. bastava esse eventual candidato alcançar uma votação de 3% para tudo ser diferente.

marcelo rebelo de sousa já disse que nas próximas eleições presidenciais tudo deverá ser de outro modo. estou de acordo, na linha do que já aqui defendi várias vezes. com cavaco silva, o centro-direita teve, pela primeira vez, uma vitória nas presidenciais. mas, depois dele, este sector deve poder gerar mais do que uma candidatura. várias à direita e várias à esquerda? as que representem o pluralismo da sociedade portuguesa.

a importância de cavaco silva para o espaço político de que é originário, a dimensão que a sua personalidade alcançou, em portugal e no estrangeiro, condicionou, de modo compreensível, as opções tomadas por outros. mas depois desse tempo inaugurar-se -á, naturalmente, outro ciclo.

clarificação

o exemplo do futebol pode aplicar-se à política

o real madrid vive, também, numa diarquia no que respeita ao futebol profissional: jorge valdano e josé mourinho. este tem o poder executivo e o primeiro o poder moderador. passe a comparação, mourinho é como se fosse o primeiro-ministro e valdano o presidente. falo só do futebol, claro – porque o clube tem o seu presidente, florentino pérez.

josé mourinho tem alguma parecença fisionómica com o primeiro-ministro de portugal e também similitudes no temperamento e nas atitudes. josé sócrates gosta de mandar sem equívocos e mourinho também. nenhum deles gosta que os respectivos poderes sejam postos em causa. se alguém o faz, não tardam ambos a reagir.

dizem as notícias, que mourinho tem agido assim nos tempos mais recentes: exigir uma clarificação da liderança. nos últimos dias disse que, quando tem confrontos, os assume abertamente. e que não assume esse conflito com o director-geral do clube.

assim acontece no nosso sistema político português: nenhum dos dois protagonistas assume o conflito institucional que todos sentem e pressentem.

no real madrid, florentino pérez tem, naturalmente, a última palavra. e, certamente sem ser por acaso, apareceu uma notícia num jornal dando conta de que florentino teria solicitado a valdano que começasse a procurar treinador para a próxima época.

isto depois das notícias sobre a suposta ameaça de mourinho de que, a manter-se a actual situação, só ficaria até final da temporada. ou seja, não tolera situações de ambiguidade ou de conflito entre os principais responsáveis do futebol do real madrid.

no sistema político português, cabe ao parlamento resolver, ou não, as divergências institucionais.

sublinho: futebol não tem nada a ver com política. na política estão envolvidos os assuntos mais sérios da vida das pessoas e das comunidades. referi os dois casos só porque o futebol (que tantos seguem em permanência) permite ilustrar o que faz falta na política (da qual tantos, cada vez mais, se vão afastando).