constante
o passado que antecipa o presente
«em 1891, o estado consegue enfim um empréstimo em paris, dando como garantia as receitas do tabaco nos próximos 35 anos, mas o montante é imediatamente gasto para pagar dívidas em atraso».
«até que, em 1892, o país entra em bancarrota, com uma dívida pública de 89% do pib e uma dívida externa pública de 50% do pib, em que só os encargos anuais representavam quase metade das despesas públicas. o estado decide unilateralmente só pagar 1/3 dos juros da dívida externa, descendo como tal a taxa de juro da dívida para 1%. inicia-se, assim, um período de disputa com os credores internacionais, com várias propostas discutidas, entre elas a devolução de parte das taxas alfandegárias sobre a importação de bens de países credores».
«a crise é resolvida em 1902, dez anos após o início da bancarrota, por um reescalonamento da dívida externa a 99 anos, com uma taxa de juro de 3%, um alívio de 38% do capital em dívida, e a correspondente descida para metade do serviço de dívida anual. o último pagamento seria, assim, feito em 2001».
quase tira o fôlego transcrever estas passagens de um útil e interessante livro de luís monteiro: os últimos 200 anos da nossa economia e os próximos 30, bnomics, lisboa, 2010.
devo esclarecer que não conheço o autor. diz a nota biográfica inserta no livro que é engenheiro civil e tem dois mestrados: um em engenharia de estruturas e outro em gestão de empresas. realizou um curso sobre macroeconomia na universidade de pequim. a propósito, foi distinguido pela academia de ciências com um prémio – jorge álvares – para a melhor tese sobre as relações entre portugal e a china.
falo nesta pessoa e neste livro porquê?
antes de mais, porque estamos fartos de ouvir sempre os mesmos nomes a falar sobre os mesmos assuntos. depois – como razão principal – o facto de o livro ser um modelo para o método que o país deve seguir: identifica as questões, fala dos antecedentes históricos, procede à análise objectiva dos números da realidade, elenca os desafios que se colocam, propõe soluções.
hesitante
o exemplo de salazar
escrevo estas palavras a propósito dos momentos tão lamentáveis que o país tem vivido por causa do anúncio de uma moção de censura (entre outras ameaças, da mesma natureza, de outros sectores). como se sabe, o pcp alvitrou, o psd e o cds disfarçaram, o pcp anulou, o bloco anunciou, o pcp readmitiu e o psd enquadrou em que cenário poderá acontecer por sua iniciativa. entretanto, no meio de todo esse ‘interessante’ folhetim, foi-se falando na possibilidade de uma moção de confiança por parte do governo.
com franqueza, não entendo como tudo isto é possível. e só o é porque esta república atravessa momentos de inconcebível deterioração no seu funcionamento institucional e sistémico.
quinta-feira passada, às 20h30, no porto, eu disse (antes de qualquer outra pessoa) que considerava uma brincadeira inaceitável aquilo que tinha sido anunciado. e acrescentei não ter dúvidas de que o psd teria a categoria de rejeitar, liminarmente, essa iniciativa do bloco. no geral, assim aconteceu e congratulo-me com isso.
o país tem de trabalhar, tem de discutir o que vai fazer. e já! – para inverter o rumo em que se encontra. cada dia de atraso representa mais juros, mais sacrifícios, mais tempo para recuperar.
não deixei de ser convictamente democrata. mas, para tentar provocar o interesse por temas sérios, vou transcrever uma passagem da excelente biografia sobre salazar recentemente editada: «e, advertia salazar, uma coisa era cooperar nos aspectos materiais que se prendiam com a aplicação do plano marshall, outra coisa era ceder soberania» (salazar – uma biografia política, filipe ribeiro de meneses, d. quixote, 2.ª edição, 2009).
não consideram importante, essencial mesmo, discutir, de modo conclusivo, o que a alemanha pretende para o governo económico da zona euro? mais uma citação do mesmo livro: «salazar desconfiava muito particularmente da locomotiva que conduzia o ideal europeu e que ele identificava como sendo a política externa norte-americana». e mais adiante: «a par da concepção da europa representada pelos políticos americanos, que procuravam salvar a europa ocidental aplicando-lhe os seus próprios princípios, a resposta de washington aos problemas europeus era um estado único e soberano».
contrastante
o que queremos da europa?
hoje em dia o que queremos? aceitamos este caminho a dezassete? aceitamos uma nova hipótese de europa a duas velocidades? aceitamos a marginalização da comissão europeia e, em certa medida, do conselho europeu? aceitamos a liderança efectiva da alemanha? aceitamos um maastricht ii? aceitamos pagar o preço de continuar a pertencer ao euro, com os países mais poderosos deste continente? admitimos olhar para os exemplos dos que não aceitaram integrar esse clube monetário, a começar pelo reino unido?
está muito, muito em jogo, neste tempo que atravessamos. uma situação como esta exige pessoas, lideranças, atitudes com envergadura, com lucidez, com frieza, com realismo, mas também com rasgo. uma altura como esta não é para pessoas comuns ou banais, com todo o respeito que é devido a cada ser humano.
volto ao livro de luís monteiro, na sua página 20: como é possível que o crescimento médio anual de portugal tenha sido «entre 1974 e 2007 de 2,8%, e entre 1990 e 2007 de apenas 1,8%, sem guerra, tendo recebido 55 mil milhões de euros em subsídios líquidos da ue e 35 mil milhões de euros em privatizações, a preços actuais, isto é, um total de 54% do pib?» isto, enquanto crescemos em média 5,7% entre 1951 e 1973, 6,9% entre 1960 e 1973, com uma guerra em 3 países africanos a milhares de quilómetros de distância e sem subsídios da ue.
será que querem ponderar e tirar algumas conclusões? há muitas citações que podem ser feitas de vários períodos de forte desequilíbrio, ou mesmo ruptura financeira e orçamental, ao longo da nossa história. mas citações sem conclusões adiantam pouco.
o que deve rejeitar-se é a continuação deste ambiente político à medida de políticos que só gostam de tácticas, de jogadas, de chavões, de truques. de políticos e de um conjunto de seres que falam de política sem nenhuma preparação ou capacidade para isso.
está na hora de voltar a pôr tudo no seu lugar.