O mercado paralelo dos Óscares

Todos os anos a cena repete-se. A partir do momento em que se conhecem os nomeados para mais uma edição dos Óscares, multiplicam-se as discussões e até as apostas sobre quem serão os vencedores. Mas há uma espécie de mercado paralelo onde o que se discute é quem vestirá o quê.

o desfile começa muito antes da chegada à passadeira vermelha do kodak theatre, em hollywood. antes, as estrelas vestiam-se pelos seus próprios meios, recorrendo aos figurinistas dos estúdios ou a grandes costureiros franceses. até as jóias eram suas, como o colar de diamantes – avaliado em um milhão de dólares e oferta do então marido richard burton – que elizabeth taylor usou em 1970, quando apresentou o óscar para melhor filme. mas os tempos mudaram desde os anos 90.

as mais famosas casas de moda do mundo procuram estar ali representadas. de preferência ali e no palco – seja a vestirem um nomeado e, logo, possível vencedor; seja a vestir o apresentador de algum dos prémios. afinal, na emissão em directo, televisionada para milhões em todo o mundo, a primeira pergunta é sempre: ‘de quem é o seu vestido?’. as fotos aparecem em tudo o que é revista, jornal e site na internet. na televisão há programas para discutir os visuais das estrelas. isto, claro, rende dinheiro. muito dinheiro.

nos últimos anos, a esta equação juntou-se a figura do stylist – alguém especializado em moda que acompanha as tendências, contacta as diferentes casas de moda e encarrega-se de escolher o melhor visual para cada cliente, apresentando-lhe entre 20 e 100 sugestões. destes, o destaque vai para o pioneiro philip bloch e para a mediática rachel_zoe – figura central do programa rachel zoe project.

o primeiro foi o responsável por, em 2002, convencer halle berry, nomeada para melhor actriz, a usar um vestido semi-transparente de elie saab. a actriz venceu o galardão e o vestido foi elogiado mundialmente. já rachel zoe tem uma vastíssima lista de clientes – como cameron diaz e keira knightley – de que se destaca a apresentadora da 83.ª edição (no dia 27), anne hathaway.

ambos cobram qualquer coisa como 1.500 a 6.000 dólares por dia. para preparar uma cerimónia deste género podem gastar semanas. é fazer as contas. claro que, a isto, se somaria o valor do vestido escolhido, do cabeleireiro, maquilhadora, sapatos e jóias – com montas que podem ascender a largos milhões. mas estas estrelas pagam isto?

segundo bronwyn cosgrave, «a cobertura dos óscares equivale a uma campanha publicitária de 25 milhões de dólares». o autor de made for each other: fashion and the academy awards afirma ainda que «é quase como uma guerra. as casas de moda têm máquinas enormes de relações públicas e cortejam as estrelas para usarem as suas roupas». este jogo de sedução começa muitas vezes ainda em cannes, com as marcas a enviarem representantes para descobrirem jovens estrelas que podem vir a brilhar nos óscares. «eles telefonam, mandam fotografias, desenhos, vestidos, suplicam para serem os escolhidos», conta philip bloch.

por vezes não se limitam a cortejar. podem oferecer viagens de luxo, convites para desfiles, visitas personalizadas ao ateliê, presentes e até dinheiro. há actrizes que têm contratos com marcas (como charlize theron e a dior). outras terão recebido 500 mil dólares para usar uma peça. já giorgio armani financiou o teatro predilecto de cate blanchett, em sidney, no ano em que a actriz usou a sua marca nos óscares.

na maioria dos casos acabam por receber o vestido que usaram – ainda que as jóias costumem ser devolvidas. algumas actrizes, como angelina jolie e nicole kidman, não aceitam estas ofertas. tal como há casas que fazem ‘finca-pé’ em não pagar, como a chanel e o joalheiro harry winston. o resultado foi que estas marcas desapareceram da passadeira vermelha. tal como o vintage de criadores já mortos. «os mortos não pagam», é piada recorrente entre stylists.

na guerra pelo melhor vestido, os stylists são capazes de tudo. como diz philip bloch: «se vejo um vestido que ficaria perfeito numa cliente minha como a halle berry, e um outro stylist descobre, pedirá todos os vestidos desse designer mesmo que não tenha qualquer intenção de os usar nas suas clientes. apenas para garantir que não terei o que queria».

até ao momento em que as estrelas pisam a passadeira é uma incógnita qual o visual que escolheram. «o importante é que cada pessoa pareça o melhor possível, mantendo-se fiel à sua personalidade e individualidade», como remata rachel zoe. se o estilo vier com um cheque ou uma viagem, melhor.

raquel.carrilho@sol.pt