no tempo dos dois canais, o festival era um fenómeno de popularidade. mas, aos poucos, foi-se tornando caduco, um abrigo para ex-participantes de concursos televisivos e para gente com gosto pelo kitsch. em casa, era acompanhado com doses iguais de apego ao passado ou atracção por um folclore que, de tão duvidoso, se tornava irresistível.
até que, este fim-de-semana, a dupla de humoristas nuno e vasco duarte (o primeiro é conhecido por jel) arrebatou a competição de um certame moribundo com um tema que poderia ter sido escrito em pleno prec. de resto, toda a postura anacrónica de canto de intervenção é tanto uma homenagem à cantiga enquanto arma quanto uma paródia à mesma. o que ninguém esperava é que a votação, atribuindo uma percentagem aos votos telefónicos, desse a vitória aos auto-denominados homens da luta, capitalizando o momento pós-deolinda, o descontentamento social e o protesto de amanhã.
eis que, de repente, o festival da canção era a coisa mais viva e importante deste mundo. a sic apressou-se a reclamar a propriedade sobre os irmãos duarte – lançados na sic radical – e convocou-os para programas matinais e de informação. e houve quem formasse movimentos de contestação à presença do grupo na final na alemanha, envergonhados por uma escolha mais política do que musical. independentemente do valor do tema, durante anos portugal foi representado por canções deslavadas versando sobre o mar e os descobrimentos, exibindo uma imagem de país tristemente afundado no passado. ninguém se indignou com isso. o mar, sim, mas sem levantar ondas.