‘Para liderar tem de haver um talento inato’, diz presidente da Bial

Vencedor na categoria de Líder na Internacionalização, Luís Portela, ex-presidente executivo e agora chairman da Bial, conta como foi assumir a empresa aos 27 anos e confidencia os seus segredos de liderança.

a bial está agora nas mãos da 4.ª geração da família portela. como se passa o testemunho, numa empresa familiar?

desejei ser capaz de apostar fortemente no que me parece que alguns empresários portugueses não apostaram: uma boa sucessão. quando fiz 50 anos, defini dois objectivos. um era levar o primeiro medicamento português ao mercado mundial. o segundo era criar condições para poder afastar-me gradualmente da gestão, fazendo com que a equipa que ficasse fosse mais forte do que a que eu tinha liderado. entretanto, fui deixando que os meus dois filhos fossem fazendo a carreira que entendessem. entenderam que gostariam de trabalhar na bial. mas nunca quis que sentissem nos ombros o peso de terem de suceder ao pai. isso seria absolutamente nefasto. no que toca à liderança, tem de haver um talento inato. há que, na família e na companhia, criar condições para que se desenvolva. e depois há que dar formação complementar. para liderar uma empresa, é muito aconselhável que se faça um mba, mas só depois de ter experiência no terreno.

na sua opinião, como é a classe dirigente a nível político e económico, em portugal?

em relação aos empresários, não há muitos como belmiro de azevedo ou américo amorim. já a nossa classe política, não é tão forte como gostaríamos. há algum défice de grandes líderes, em termos europeus e nacionais.

a actual crise económica, política e até de valores também é um problema de liderança?

no ocidente, as pessoas embriagaram-se num jogo e a vida real não deve ser um jogo. quando rebentou a ‘bolha’, talvez tivesse sido mais útil assumir o erro de forma clara, procurando corrigi-lo e não manter o status quo.

um bom líder também é aquele que sabe perceber o momento da ruptura?

sim e, por vezes, contra a vontade da maioria. mas tem que a conquistar, e criar condições para fazer a ruptura.

como é que se deve fazê-la?

depende. há momentos em que é importante dar um murro na mesa. há momentos em que é importante conquistar as pessoas. e isso é válido no cenário político e no mundo empresarial. nos meus mais de 30 anos de liderança na bial, nunca dei um murro na mesa. é uma questão de estilo, de forma de ser e de estar. sempre achei que era melhor partir para a conquista, mesmo nos momentos de ruptura, e criar condições para que essa ruptura fosse perspectivada desde logo como construtiva.

que especificidades tem a liderança de uma farmacêutica?

liderar a bial foi uma atitude de paixão. sou licenciado em medicina e, quando deixei a minha carreira clínica e universitária, no pós-25 de abril, num momento complicado de decisão da minha vida, pela morte prematura do meu pai aos 50 anos, fi-_-lo só pela bial numa atitude afectiva pura. e entendi que o que podia fazer a diferença era torná-la inovadora e investir em investigação & desenvolvimento (i&d). essa é uma especificidade desta indústria, que, a nível mundial é das que mais investe nessa área – em média, 17% da facturação. assumi esse compromisso e não foi um desafio de ruptura mas de conquista da equipa e da administração.

como se faz essa conquista?

tem de haver um processo de grande credibilidade. o exemplo funciona de uma forma muito forte. procurei dá-lo logo no princípio. como médico, não tinha grande capacidade de gestão. sabia que tinha dificuldades e procurei superá-las com quantidade. nos primeiros quatro anos, não tirei um dia de descanso, nem férias. se estava com dedicação, tinha moral para esperar que os outros também estivessem. se procurava dar o meu melhor e encontrar soluções inteligentes, podia esperar que os outros também o fizessem. se procurava estar de uma forma construtiva, sem berrar, sem dar murros na mesa, sem me deixar afectar pelos problemas, estava a criar um estilo que as pessoas podiam absorver.

a bial está em mais de 40 países. que estratégias deve seguir o líder para conjugar as diferenças de cada mercado?

vender medicamentos em áfrica é muito diferente de vender na europa ou na américa latina. em áfrica, ainda há quem venda medicamentos num pano estendido em terra batida. nalguns países da américa latina, é vulgar haver saldos de medicamentos nas farmácias, algo inconcebível na europa. começámos a internacionalização nos países mais pobres, porque a concorrência era menor. avançámos para os palop e depois para os mercados africanos de expressão francesa. depois entrámos na américa latina. e finalmente viemos para a europa. há dez anos, comprámos uma empresa em espanha. estávamos convencidos de que, se fossemos capazes de estar em espanha, estaríamos preparados para qualquer outro país europeu. em 2010, comprámos uma empresa em itália e, à medida que tivermos possibilidade, estamos com vontade de ir entrando noutros países europeus.

ana.serafim@sol.pt

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