saturação
a coabitação esgotou-se
ou, dito de outra maneira, logo que se iniciou este 2.º mandato vazou o recipiente das relações entre presidente da república e primeiro-ministro.
lembro-me de ter escrito aqui, em outubro de 2010, que a declaração de josé sócrates em nova iorque, segundo a qual deixaria o cargo que ocupa se o orçamento não passasse na assembleia da república, mudaria o conteúdo do relacionamento institucional entre os dois órgãos de soberania.
a partir daí, muito mais aconteceu, como é sabido, que dinamitou esse relacionamento. o processo eleitoral das presidenciais foi, nesse domínio, arrasador.
cavaco silva não teve nenhumas contemplações no seu discurso de posse.
de facto, não poupou o governo. manda a verdade reconhecer que, se cavaco silva tivesse ouvido este discurso do então presidente mário soares, considerá-lo-ia um ultraje ao respeito devido entre órgãos de soberania. mas também josé sócrates estava de ‘saco cheio’ com o presidente.
é ridículo isto de andarmos sempre a dizer o que dissemos antes, mas às vezes é preciso.
lembro-me de ter dito, antes das eleições presidenciais, que o sarilho institucional que eu previra para o 1.º mandato se iria transformar em divórcio, ou ruptura institucional, no 2.º. e acrescentei que, depois de tudo o que se passara, tinha dificuldade em imaginar uma coabitação institucional entre estas duas personalidades.
podem ser feitas muitas análises políticas sobre os motivos e as motivações da crise que foi despoletada.
para mim, a explicação mais verosímil é esta: cavaco silva já não suporta mais este governo e fez o discurso que fez; josé sócrates já não suporta mais ouvir o presidente e não o avisou (e, por consequência, não avisou a generalidade dos partidos) das novas medidas de austeridade.
escrevi na passada semana, que, na cerimónia de posse do pr, notei pela primeira vez em josé sócrates uma expressão facial que demonstrava absoluta saturação, misturada com indisfarçável ira. e o resultado foi o que se viu.
conclusão
o governo não pode continuar
entendo, pois, que chegámos a uma situação política em que, mais do que a diferença dos conteúdos e das opções programáticas, existe um esgotamento da fórmula política que suporta o governo em funções.
a oposição não tem mais margem para sustentar decisões tão difíceis de um governo em relação ao qual não tem responsabilidades; e o governo não tem mais possibilidades de dialogar com essa oposição que, quotidianamente, o fustiga com as mais severas críticas.
recordo-me de outros casos na história deste regime político em que o clima entre partidos, com acordo parlamentar mais ou menos formalizado, viabilizador de um executivo, era razoavelmente cordato. neste caso, desde que este governo iniciou funções (e mesmo após o psd, já com passos coelho, viabilizar o pec), nunca pararam as acusações de parte a parte. o psd levou este tempo todo a dizer ao governo que não era capaz de governar; e o governo passou o mesmo tempo a dizer que, se o psd fosse corajoso, devia então tentar demiti-lo.
na prática, foi um ano quase sempre em pré-crise política. a entrada de passos coelho, cheia de críticas a manuela ferreira leite por ter viabilizado o orçamento de 2010. o discurso do pontal. a proposta de revisão constitucional do psd. o orçamento para 2011. as eleições presidenciais. a senhora merkel. a grécia. a irlanda. os juros da dívida soberana. os cortes nos salários e nas pensões. os aumentos dos combustíveis. os aumentos dos preços dos bens essenciais… isto ainda não parou!
vivemos em pré-grande-crise desde as europeias de junho de 2009. o país está completamente esgotado – e o pecado original desta fase (e de muito do que temos passado politicamente neste último ano) tem uma causa fácil de identificar: a formação de um governo de minoria.
essa decisão, ou ausência de decisão, teve consequências muito graves para portugal. por tudo isso, e por muito mais, é óbvio que este governo não pode continuar. nem interessa discutir se é mau ou bom. pura e simplesmente não tem condições para continuar
violentação
injustiças da justiça
é mais do que tempo de expressarmos a solidariedade devida ao director do sol, e aos que neste jornal enfrentam situações próximas das suas, na sequência de decisões judiciais – mesmo que em sede de providências cautelares, com origem em notícias ou artigos publicados.
na imprensa livre, numa sociedade democrática, os que trabalham ou escrevem num órgão de comunicação social não têm de concordar com tudo o que os outros dizem ou escrevem no mesmo espaço.
agora, tudo o que o director deste jornal contou no seu espaço semanal, na revista tabu, sobre o que lhe tem acontecido, é difícil de acreditar.
devo dizer que já interpus acções judiciais por causa de escritos que considerei ofensivos do meu bom nome. mas tinham e têm a ver com questões pessoais, ligadas a considerações sobre a minha pessoa ou sobre a minha vida privada.
não discuto, pois, as razões de quem se sentiu ofendido nos processos que agora atingem jornalistas desta casa.
mas quando as medidas decretadas atingem o ponto de fazerem pender ónus sobre a casa de família ou quando há, manifestamente, dois pesos e duas medidas perante matérias equivalentes publicadas por diferentes órgão de comunicação social, isso é mesmo de rejeitar.
devo dizer que há pessoas que exerceram funções públicas e têm atravessado situações humanamente deploráveis, com processos que se arrastam durante anos em tribunais e que lhes dão cabo da vida. e quase ninguém quer saber disso, nomeadamente na imprensa.
por mim, dou-me com todos – políticos, jornalistas ou cidadãos com outras actividades – abalados pela injustiça.
por isso mesmo, aqui deixo esta palavra que é, acima de tudo, de solidariedade. manda a religião em que fui educado que tudo façamos para nos colocarmos no lugar do próximo.