Artur Agostinho ao SOL: ‘Era Um galã malandreco’

Entrevista dada ao SOL em Novembro de 2010, perto de completar 90 anos.

Como repórter quais foram os momentos mais especiais?

Gostei muito de fazer o terramoto de Agadir, as campanhas das nossas equipas de futebol e de hóquei em patins, uma visita do Eisenhower a Madrid, a da Rainha Isabel a Portugal… Fiz reportagens em África antes e durante a guerra, acompanhei viagens presidenciais… A primeira que fiz foi do Craveiro Lopes ao Brasil. E também fiz uma do Américo Thomaz.

Nessas viagens era possível privar com os presidentes?

Sim. O Craveiro Lopes era um homem muito sério. Era, como ele dizia, um ‘cara de pau’. Mas também era um homem muito acessível, que trocava impressões durante as viagens de avião. O Américo Thomaz era um tipo divertido e bem-educado.

Em 1961 foi, como repórter, para a Guerra Colonial, em Angola. Foi uma experiência dura?

Dura e complicada. Tive um desastre de avião e caí numa picada. As tropas portuguesas tinham desalojado, em Nambuangongo, as forças nacionalistas, que fugiram em direcção a Quipedro. Eu fui num avião, mandado de Luanda, com pára-quedistas para interceptar essas forças. Os pára-quedistas lançaram-se, mas eu não. Fiquei no avião e voltei. Depois fui num avião pequenino, em direcção a Quipedro, para ir ter com os pára-quedistas, mas o avião caiu. Fiquei todo rasgado, mas não sofri nada. Passei lá três dias. Quem me foi buscar, noutro avião, foi o filho do Humberto Delgado.

Teve que lidar com muitas mortes?

Não, por acaso não. Não calhou. Luanda era daquelas cidades da retaguarda, que fazia a sua vida normal.

Muito antes disso estreou-se no cinema, em 1947, no filme Capas Negras, no qual também se estreou Amália…

Sim. Um dia, na esplanada do Café Lisboa, o realizador Armando de Miranda e o maestro Jaime Mendes aproximaram-se de mim e convidaram-me. Disse logo que sim.

No cinema ficou sempre com a imagem de galã…

Um galã malandreco [risos].

Na vida real também era assim?

Não, se fosse não teria interesse em fazer esses papéis [risos]. Não tem graça fazermos de nós mesmos.

Mas era um homem de paixões fáceis?

Nem por isso. Era muito cauteloso.

Medo de sofrer?

Não era só medo de sofrer. Era medo de que a coisa não fosse real. Esses amores fáceis eram um pouco cinematográficos, tinham um guião especial. Nunca acreditei nessas paixões. E hoje, quando leio as revistas, chego à conclusão que tinha razão. Eles casam e descasam em meia dúzia de dias.

Há quanto tempo está com a sua mulher?

Desde 1951. Há 59 anos. Conhecemo-nos uns seis ou sete meses antes de casar.

Como?

Foi um telefonema que ela fez para a Emissora Nacional a pedir um disco. No dia seguinte tornou a ligar e um dia resolvemos conhecer-nos pessoalmente.

E foi amor à primeira vista?

Mais ou menos [risos].

Ainda está apaixonado?

Eternamente apaixonado. Ela merece. E eu também [risos].

Sente que hoje as relações são mais efémeras?

São. A vida tem outro ritmo, as coisas não são tão sólidas. Há muitas solicitações e muitas facilidades. Tudo se conjuga para que as coisas se tornem mais passageiras.

Tem tendência para achar que no seu tempo é que era bom?

Não. O meu tempo era bom em algumas coisas. Noutras era muito mau.

Não é saudosista?

Às vezes tenho saudades de algumas coisas, mas não sou saudosista. Tenho saudades das coisas boas, dos amigos que foram desaparecendo, mas sei que a vida é assim.

Tem saudades da Lisboa do seu tempo e das tertúlias?

Aí entram os tais amigos. Frequentei muitas dessas tertúlias. A da Brasileira era muito engraçada, conseguia reunir gente de todas as categorias sociais e políticas. Era uma tertúlia em que se juntavam pessoas do reviralho e à qual também iam os agentes da PIDE que entravam ao serviço no São Luiz. Passavam por lá, bebiam um café e às vezes sentavam-se à mesa. As bailarinas do São Carlos também lá iam e os jornalistas do Diário de Notícias, d’O Século, do Diário de Lisboa, do República e do Diário Popular. Dizíamos que aquilo era ‘o reino livre da Brasileira’. Também vivi a tertúlia do Café Lisboa, com a gente dos teatros do Parque Mayer, como o Vasco Santana, o António Silva, a Hermínia Silva… E havia a tertúlia do Palladium, com gente do cinema e da rádio; a do Nicola, com malta do Belenenses; a do Restauração, com o Ribeiro dos Reis, o Vicente Melo, o Cândido de Oliveira; a do Monumental, com o pessoal da televisão… Essas tertúlias eram giras porque se discutia e conspirava. Tudo isso desapareceu e faz falta.

Disso tem saudades…

Tenho. Havia uma ligação entre as pessoas que deixou de existir. Mesmo a outros níveis. No meu prédio, em Campolide, conhecíamos todos os vizinhos. Hoje isso não acontece. Perdeu-se. A sociedade passou a ser mais rápida, mais violenta, mais egoísta. Cada um trata de si, sai de manhã e só volta à noite. É a própria vida, não há nada a fazer. Mas temos que nos adaptar e não ficar agarrados ao que era.

Nessa evolução faz-lhe confusão a mudança de costumes e de valores?

Não. Acho que as gerações… Sou contrário à ruptura de gerações. Acho que as gerações devem sobrepor-se com tranquilidade, como diria o Paulo Bento [risos]. Com inteligência, devem aproveitar o que é bom da geração anterior e expurgar o que é mau. As rupturas são sempre perigosas.

Temos feito isso? Temos evoluído com tranquilidade?

Nem sempre. Gosto muito de falar com a malta mais nova e noto que há um interesse crescente em conhecer o comportamento das gerações anteriores. Muitos gostam de ouvir conselhos. Outros, infelizmente, não.

jose.fialho@sol.pt