Artur Agostinho ao SOL: ‘Sinto-me com 40 anos’

Entrevista dada ao SOL em Novembro de 2010, perto de completar 90 anos.

Vai fazer 90 anos em Dezembro. Sente-se com que idade?

Mentalmente não me sinto nada com a idade do Bilhete de Identidade. Sinto-me com 40 anos. Só tenho pena de não poder aproveitar mais as capacidades de cabeça que ainda tenho.

Fazer 90 anos tem um significado especial?

Para mim todos os aniversários de dez em dez anos têm tido um significado especial. Quando fiz 50 a coisa começou a ter um aspecto importante. Comecei a trabalhar, ainda de forma amadora, com 18 anos, em 1938, no ano anterior ao da Segunda Guerra Mundial. E profissionalmente comecei em 1945, na Emissora Nacional. Tive uns anos de tarimba que foram muito importantes.

Em 90 anos de vida viu o mundo mudar muito. Alguma mudança foi maior e mais determinante do que todas as outras?

Vivemos a mudança de um país em ditadura para um país em liberdade democrática. Essa foi uma grande mudança, o que não significa que todos os aspectos dessa mudança tenham sido positivos. Mas, se alguns não foram tão positivos como seria de desejar, a culpa não é do sistema político, é das pessoas. No aspecto profissional também houve uma grande mudança, principalmente a partir do fim da Segunda Guerra, que foi o desenvolvimento tecnológico. Foi uma mudança fantástica, veloz, um comboio que nem todos conseguiram apanhar. Eu fiz o possível por apanhá-lo e fui-me adaptando. Quando comecei a trabalhar escrevia à mão nos linguados de papel, depois fui dos primeiros – eu e o Aurélio Márcio – a adoptar a máquina portátil de escrever para as nossas reportagens no estrangeiro e, mais tarde, viria também a ser dos primeiros jornalistas a adaptar-me ao computador. E depois à internet, que é um óptimo meio de pesquisa, desde que haja o cuidado de fazer uma selecção da informação. Não devemos partir do princípio de que o computador e a internet são a solução para todos os nossos problemas. Devem ajudar-nos, mas não devemos ser escravos desses meios tecnológicos. É preciso evitar a escravatura da tecnologia e os jornalistas não podem perder a alma. Temos que ser nós a comandar as máquinas.

Já aderiu às redes sociais?

Não sou muito freguês, não tenho Facebook. Ainda não me convenceram plenamente da sua utilidade. Acho que é perigoso em certos aspectos, mas, um destes dias, se tiver vida e saúde, ainda vou estudar. Pode ser que adira.

Há pouco falou da memória. Consegue localizar a sua recordação mais antiga?

São as memórias da minha infância em Campolide. Os primeiros passos que dei, os meus primeiros encantos com o teatro. Comecei no grupo amador do Campolide Atlético Clube. Entrei em peças com 13 ou 14 anos. O teatro era a minha grande paixão. Mas, curiosamente, a representação foi uma paixão que mais tarde só consegui realizar na rádio, na televisão e no cinema. Nunca a realizei sobre as tábuas do palco e fui desafiado para isso. Fui desafiado pela D.ª Amélia Rey Colaço para fazer parte do elenco do Teatro Nacional.

Quando?

Por volta de 1948 ou 1949. Mas nessa época tinha uma actividade muito diversificada e confesso que tive medo de falhar. Fiz contas à vida e não aceitei. Tinha a Emissora Nacional, os relatos desportivos, os jornais, a publicidade… Pensei: ‘Vou fazer teatro. E se me espalho?’. Depois, mais tarde, fui desafiado sucessivas vezes pelo meu querido amigo Vasco Morgado. Também nunca aceitei porque o Vasco vivia permanentemente em problemas económicos. Era complicado ele poder cumprir. Finalmente decidi-me a entrar no teatro a convite do Vasco Santana. Desafiou-me para interpretar com ele a peça Um Fantasma Chamado Isabel. Oito dias depois ele morreu e eu não me estreei. Estava escrito.

Ainda há hipótese de o vermos em palco?

Não, já não, já não tenho… A última vez que fui desafiado foi pelo Filipe La Féria, para substituir o Canto e Castro na Rainha do Ferro Velho, mas disse-lhe que não, não me sentia com capacidades físicas para o fazer.

jose.fialho@sol.pt