A memória

A experiência de assistir a Nico à Noite é inquietante – às tantas, obriga-nos a consultar um qualquer documento oficial que nos belisque e confirme que, afinal, estamos mesmo em 2011.

nada no talk show de nicolau breyner na rtp1 parece remeter-nos para o presente. e não se trata tão-somente de estarmos perante um registo já bastas vezes repetido – e assente no modelo de talk show norte-americano –, mas sobretudo por tudo o que o distingue da concorrência: as tiradas humorísticas parecem uma recauchutagem do reportório d’os malucos do riso (tanto no monólogo de abertura quanto em josé raposo a tentar ser raul solnado), a música dir-se-ia resgatada de um programa afim dos anos 80, o próprio público parece ser uma montagem com imagens de época.

em tudo nico à noite parece uma reposição ou uma interferência súbita da rtp memória no primeiro canal. os convidados – não se percebe se é opção de fundo ou bizarra coincidência – não respeitam qualquer motivo de actualidade; antes parecem mais uma tentativa de confundir temporalmente quem assiste ao programa. entrevista-se marina mota ou antónio manuel ribeiro (dos uhf), ou mesmo zita seabra sobre o livro foi assim – que, recorde-se, foi lançado em 2007. o porquê de fazer um programa de raiz, emitido às 23h, e que é uma seta disparada ao passado sem que o assuma logo à partida é um enigma.

perante isto, não deixa de ser refrescante saber que para o mesmo horário de sexta-feira à noite a rtp memória recuperou uma das mais belas peças de nostalgia da nossa televisão, o programa agora escolha, valendo-se inteligentemente do arquivo da rtp para as votações que decorrerão nas redes sociais e na internet. porque já se sabe que há e deve haver lugar para a memória na televisão, mas não travestindo-se de presente.