Presidente da Carris em entrevista ao SOL [com vídeo

Elaborar um contrato de serviço público com as empresas de transporte urbano e alterar as políticas sociais do sector são ideias do presidente da Carris. Vencedor do Best Leader Awards na categoria de Gestão de Empresa Pública, José Manuel Silva Rodrigues afirma que é difícil liderar numa área que é cronicamente deficitária.

‘conduz’ a carris há três mandatos. ao longo dos anos, a sua forma de liderar mudou?

no essencial, não. quando cheguei, em 2003, foi preciso dizer às pessoas de forma clara que tinham de mudar de vida. e a primeira condição era acreditar que era possível ter sucesso na mudança que queríamos concretizar. era preciso pensar de forma diferente para encontrar novas soluções para problemas que não eram novos. isso obrigou a organização a confrontar-se consigo própria e com a forma como operava. não era possível sustentarmos o nosso modelo de organização, nem mantermo-nos com os níveis de eficiência que tínhamos. não era possível manter a ideia existente de que, sendo uma empresa do estado, haveria sempre dinheiro para assegurar o seu funcionamento. essa foi a grande ruptura e foi comunicada às pessoas. é muito importante que percebam o que se está a fazer e porquê, para que depois se mobilizem e as coisas aconteçam.

foi difícil?

sim, sobretudo no início. são grandes máquinas, muito conservadoras e resistentes à mudança. o grande desafio da empresa era ganhar eficiência e reduzir custos. hoje, os grandes desafios são sobretudo de mercado: ganhar clientes para o transporte público.

há algum sucesso e insucesso que destaque no seu percurso?

foi bom ter constatado que era possível ser o que nos propusemos ser: não apenas uma transportadora, mas uma empresa de referência na área da mobilidade, à escala nacional e internacional. quanto ao insucesso, este mercado é muito particular, muito regulado e regulamentado. em portugal, ainda temos muito apego ao automóvel e um grande preconceito em passar para o transporte público. é preciso continuar a trabalhar para ganhar quota de mercado e para reduzirmos os desequilíbrios operacionais.

passou por várias empresas de transportes. como é liderar num sector que é cronicamente deficitário?

é muito difícil, porque há aquela percepção como quando se está no ginásio a correr no tapete e não se sai do mesmo sítio. estamos a fazer esforço para melhorar. mas depois, porque estas empresas transportam défices crónicos, as suas contas são penalizadas e têm resultados líquidos negativos. muitas vezes não se percebe se esses resultados são negativos por má gestão ou se há outras razões. há muitos anos que tentamos que se faça como noutras cidades do mundo, onde as empresas de transporte urbano têm contrato de serviço público. a sua prestação está contratualizada, bem como o preço a que vendem e qual o subsídio que recebem. esse contrato é muito clarificador e responsabilizante para as partes envolvidas. em portugal nunca se quis fazer isso e hoje temos um gravíssimo problema. as políticas sociais dos últimos 30 anos foram feitas à custa do endividamento das empresas públicas: preços artificialmente baixos, indemnizações compensatórias insuficientes, níveis tarifários desajustados.

qual é a solução?

clarificar o quadro: discutir e definir o serviço público, saber quanto custa e depois responsabilizar as empresas para prestarem esse serviço público com qualidade, com os preços que estão estabelecidos e de acordo com as indemnizações compensatórias que são fixadas e atribuídas. não podemos manter estas políticas sociais. não podemos dar o transporte tão barato a todos, sem excepção. a política social tem de ser diferenciada. um passe custa o mesmo a alguém que ganha o salário mínimo ou ganhe 20 ou 30 vezes acima disso. um cidadão de 65 anos, só porque tem 65 anos, paga metade, independentemente da sua capacidade financeira. não tem sentido mantermos essa situação, porque isso custa dinheiro. teremos que dar prioridade e financiar os que precisam e não financiar os que não necessitam.

o governo tem estado disponível para fazer a clarificação?

é um processo complexo e, como tal, vai-se adiando a decisão. é uma bola de neve e estamos a chegar ao limite da sustentabilidade. os recursos financeiros já não estão disponíveis, nem é possível a estas empresas continuarem a endividar-se como até aqui. temos de encontrar soluções e algumas serão, com certeza, de ruptura face às práticas que conhecemos. ainda assim, pelo terceiro ano consecutivo, em 2010, a carris teve um ebitda positivo, o que é singular nas empresas de transportes públicos. e pelo quinto ano consecutivo foi considerada uma das melhores empresas para trabalhar, em portugal.

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ana.serafim@sol.pt