Juros na Zona Euro podem duplicar até ao final do ano

Analistas admitem que juros possam superar os 2% ainda em 2011. Subidas vão encarecer o crédito, penalizar as exportações e agravar a recessão em Portugal. O BCE aumentou ontem a taxa de 1% para 1,25%.

o aumento da taxa de juro de referência na zona euro em 0,25 pontos, do mínimo histórico de 1% para 1,25%, anunciada ontem pelo banco central europeu (bce), deverá ser a primeira de um ciclo de subidas que poderá pôr o preço do dinheiro acima dos 2% até ao fim do ano, dizem analistas ouvidos pelo sol. as estimativas variam de 1,5% (barclays capital) a um valor superior a 2% (millennium bcp).

o presidente do bce, jean-claude trichet, disse ontem «não ter decidido se este aumento era o início de um ciclo de subidas», mas salientou que fará «o necessário» para assegurar o controlo da inflação abaixo dos 2%, uma frase que sinaliza novos incrementos.

apesar de o aumento dos juros ter um efeito positivo sobre os depósitos, que passam a ser melhor remunerados – incentivando a poupança –, e sobre a redução do défice externo, os impactos da medida do banco central serão sobretudo negativos.

para já, os juros dos créditos ficam 25% mais caros para empresas e particulares, o que resultará em dificuldades acrescidas no cumprimento das suas obrigações financeiras. a mensalidade dos empréstimos à habitação – que representam 80% do total do montante do crédito das famílias portuguesas – irá subir, penalizando o rendimento e o consumo deste agregado.

a subida da taxa directora na região da moeda única irá também valorizar o euro, tornando menos competitivas as exportações portuguesas e desacelerando o único ‘motor’ da economia actual. a subida dos juros terá ainda outros efeitos. «a percepção do mercado de que as condições económicas do país serão agravadas terá um impacto negativo no objectivo de estabilização da dívida pública portuguesa», diz ao sol ricardo líbano, analista da ig markets.

a decisão de ontem era há muito esperada pelo mercado. as euribor estavam já a incorporar a subida (ver infografia) que tinha sido sinalizada por trichet, em fevereiro, devido à aceleração da inflação na zona euro – desde dezembro acima do limite considerado sustentável pelo bce (2%) – e ao forte crescimento da alemanha, maior economia europeia, cujo pib acelerou 3,6% em 2010. «a subida dos juros foi um pouco apressada», diz ao sol julian callow, economista-chefe para a europa do barclays capital. «não vai ajudar portugal», acrescenta.

a política monetária recente do bce não está isenta de críticas. uma europa a duas velocidades, a crise da dívida soberana em alguns membros da zona euro, a incerteza sobre o impacto do terramoto e desastre nuclear no japão na economia mundial e a instabilidade política no médio oriente e norte de áfrica são alguns dos factores de risco para a decisão, apontam alguns analistas.

 

inflação pressiona

apesar de a inflação estar a subir desde novembro de 2010, tendo atingido 2,6% em março (valor provisório avançado pelo eurostat), a inflação core ou subjacente (que exclui a energia e a alimentação, componentes com forte volatilidade nos preços) continua abaixo do limite de 2% e com uma evolução estável. ou seja, o efeito da subida do preço do petróleo e dos custos energéticos não está ainda a contagiar salários e outros bens.

«a eventual subida das taxas não é incongruente com o facto de a inflação subjacente se situar abaixo de 2%, uma vez que o objectivo do bce assenta sobre a taxa de inflação geral e, esta sim, está acima de 2%. já a debilidade económica e financeira da ‘periferia’ é mais uma razão para que o bce endureça a política monetária, pois, para assegurar a estabilidade financeira destes países, está a ceder liquidez em abundância, o que tem riscos inflacionistas», refere márcia rodrigues, analista do research de mercados financeiros do millennium bcp

os analistas dizem que o incremento dos juros decidido ontem abrirá um ciclo de subidas no médio prazo, como tem sido recorrente pelo bce. em finais de 1999, o banco central fez, em seis meses, quatro subidas nos juros de 3% para 4,25%; durante a crise financeira, fez o inverso: desceu o preço do dinheiro sete vezes para o mínimo histórico de 1%, entre outubro de 2008 e maio de 2009.

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