Equinócios e Solstícios

Em política, como se sabe, é fundamental ter a iniciativa. A sensação de que um chefe de Governo é ‘empurrado’ por outros e pelas circunstâncias não é boa para quem esteja nessas funções.

decifrável

sócrates deu a sensação de estar a ser ‘empurrado’

este processo de pedido de ajuda externa foi mal gerido pelo primeiro-ministro.
exemplo cimeiro, o facto de o ter decidido no dia seguinte à posição tomada pelos banqueiros portugueses.

em política, como se sabe, é fundamental ter a iniciativa. a sensação de que um chefe de governo é ‘empurrado’ por outros e pelas circunstâncias não é boa para quem esteja nessas funções.

é óbvio que josé sócrates teve algumas razões para escolher este caminho. a primeira foi, certamente, considerar que só ao fim de alguns dias se poderiam constatar as consequências do derrube do governo.

ou seja, verificar a evolução das taxas de juro da dívida, das baixas do rating da república e das empresas, da queda de acções em bolsa, do pânico da banca.
e, em certa medida, sócrates conseguiu provar que esses receios tinham razão de ser. a generalidade das pessoas sente que há uma considerável incongruência entre o que a oposição disse antes do chumbo do pec e o que passou a defender desde que o governo caiu.

de qualquer modo, a sensação é   que josé sócrates, em vez de demonstrar força, passou a agir forçado.

em minha opinião, a sua conhecida teimosia fê-lo incorrer em vários erros, entre os quais não ter remodelado o governo logo após as eleições presidenciais. e não ter incluído nessa remodelação o ministro das finanças.

o seu governo, constituído em 2009, mostrava já menos vitalidade do que a  exibida pelo executivo de maioria absoluta no momento de cessar funções. outro exemplo: o ministro das obras públicas. como foi possível mantê-lo no governo?

mas houve outro erro maior antes:  ter aceite liderar um governo minoritário quando o país estava já mergulhado numa situação de crise profunda.

já disse muita vez que o presidente da república nunca deveria ter consentido essa solução.

mas hoje escrevo sobre a sucessão de erros que levaram o secretário-geral do ps a perder a iniciativa política. irreversivelmente? não. mas é difícil recuperá-la. depende do resultado do que vou abordar de seguida.


recomendável

têm de dizer o que querem fazer

todos os portugueses esperem que seja encerrado o capítulo da atribuição recíproca de culpas. a partir de agora, aguardamos que cada um dos partidos passe a apresentar o programa de austeridade que defende para a governação do país.

o facto de as eleições demorarem tanto tempo só tem uma vantagem: poder descortinar-se a lógica e a sensatez das propostas de cada um. principalmente, agora, com a necessidade de clarificarem as suas medidas no quadro da intervenção externa.

estou convencido de que os portugueses votarão, essencialmente, em função da capacidade que cada partido mostrar para assumir e enfrentar a situação que existe. queremos saber que caminho nos propõem – e, para isso ser possível, é essencial que enunciem as suas prioridades.

dou um exemplo: a desertificação do território nacional. preocupam-se com essa realidade? no meu caso, essa matéria é importante para fazer uma avaliação.

outro tema: o encerramento de institutos públicos. tendo a coragem de os identificar.

devem dizer claramente onde querem poupar, o que querem privatizar, o que admitem encerrar, o que pretendem extinguir. comprometem-se ou não a extinguir, logo após as eleições, o cargo de governador civil?

há muitos assuntos sobre os quais têm a obrigação de falar no devido tempo. já que fomos para eleições numa altura tão complicada, que cumpram o dever ético de nos dizer a verdade.

o país está num estado lamentável. fomos conduzidos a uma situação tristíssima, depois de tantas ilusões serem criadas. os portugueses não o mereciam.

respeitem essa mágoa profunda: fizeram-nos proclamações de que iríamos atingir o rendimento médio da união europeia – e mesmo que poderíamos chegar, numa década, ao ‘pelotão da frente’ do espaço em que nos inserimos. foi tudo ao contrário.

deplorável

causam-me repulsa os ‘camaleões’

neste momento, há um espectáculo deprimente a que assistimos todos os dias: a mudança daqueles que, no estado ou no sector privado, passaram a dizer mal de josé sócrates, quando antes se desdobravam em sorrisos.

é um espectáculo absolutamente deplorável. como sabemos, é frequente isso acontecer entre os humanos, nas empresas e, de modo especial, na política. mas é impressionante como as pessoas têm cada vez menos vergonha. comentadores, empresários, jornalistas que durante anos só encontravam qualidades em josé sócrates, agora só lhe descobrem defeitos. para eles, actualmente, sócrates só comete erros. não faz nada certo.

ora, desculpem a pergunta: se são inteligentes, como demoraram cinco ou seis anos a descobrir tantas imperfeições e maldades do actual primeiro-ministro?

é preciso ter memória – e lembro-me bem dos seus sorrisos de satisfação em tantas reuniões, cerimónias, fins-de-semana, congressos, reflexões, colóquios, com josé sócrates… todos com ou sem gravata, consoante as sessões. era tudo mais descontraído com manuel pinho do que com vieira da silva. mas como impressionava a intimidade e a simpatia para com o novo, o determinado, o promissor primeiro-ministro!

agora descobriram que «mentiu aos portugueses» (sic). eu pergunto: tão conhecedores, tão sabedores, tão lúcidos, e só agora descobriram que josé sócrates fazia declarações que não correspondiam à verdade? lembram-se do défice hipotético para 2005? recordam-se dessa patranha com a qual foram coniventes, pela palavra ou pelo silêncio?

esta semana até os comecei a ouvir falar do «espanto» que sentem por a sociedade civil não ter denunciado os efeitos perversos de muitas parcerias público-privadas… estão a falar de quê? das scut?

por amor de deus! tão deprimente quanto as cambalhotas dos tais políticos, são as reviravoltas destas pessoas. josé sócrates é o mesmo que era há uns anos. não trocamos palavra há seis anos, como já esclareci. mas causa-me repulsa assistir ao show destes ‘camaleões’. e o pior é que, ainda por cima, têm hoje o atrevimento de olhar de soslaio para quem não proclama todos os dias uma aversão ilimitada a josé sócrates.

por mim, sócrates nunca teria sido primeiro-ministro. mas quantos destes apóstolos recentes do anti-socratismo poderão escrever o mesmo?

eu continuo a ter a mesma opinião. e escrevo num órgão de comunicação social que, por causa de artigos e notícias que publicou sobre josé sócrates, perdeu muita publicidade dos que queriam continuar nas ‘boas graças’ do governo.