A cachupa

Às vezes, pode ser uma coisa tão simples quanto preparar uma cachupa. E diz-nos mais, de uma forma mais pungente e tocante, sobre uma vida e sobre aquilo que lhe é mais fundo do que um documentário que pode estar prenhe de virtudes mas conduz necessariamente as respostas.

esta, por alto, é a ideia tão perfeita quanto pouco ardilosa de b.i. uma série que a rtp2 exibe às 21h30 das noites de sábado: 13 episódios que acompanham oito jovens de bairros multiculturais de setúbal, coimbra, loures e amadora a preparar, debater e concretizar filmes por eles propostos a partir do tópico ‘pertença e identidade’.

graças a estes workshops de cinema, a percepção que temos da imigração e as suas dificuldades de integração – concretas, histórias muito pessoais de gente que apenas devia estar ocupada a crescer – que lhe estão apensas é-nos contada sem cair na lamechice de lenço de papel a segurar as lágrimas e estimula um processo criativo. cada história recusa ser lastro para comiseração e antes se torna matéria para reflexão. desde o miúdo cabo-verdiano que quer filmar a preparação de uma cachupa porque assim se sente mais perto do seu país, ao adolescente ucraniano que chegou a portugal e foi ostracizado e gozado até começar a treinar num saco de boxe, à rapariga que quer filmar a odisseia de um amigo entregue às drogas ou à pequena portuguesa que quer passar todo o seu tempo entre os cabo-verdianos porque é entre eles que se sente bem.

excelente programa da rtp2 que nos faz olhar para aqueles que germinam fora do nosso campo de visão e não para estudos de caso, de acordo com a percepção que eles têm da sua realidade, sem filtros ou manipulações de terceiros, dando igualmente algo em troca e não se limitando a extrair material destes jovens. um belíssimo exemplo de serviço público.