Estados falhados, guerras empatadas

A última grande apropriação e repartição de terras do mundo habitado fez-se com a partilha de África na Conferência de Berlim. Essas áreas, a seguir à Segunda Guerra, acederam progressivamente à independência, até à descolonização portuguesa de 1974-75.

mas alguns dos estados criados eram exíguos e sem os requisitos da estatalidade, candidatos a estados falhados.

só que, com a guerra fria, todo o espaço mundial foi ocupado, quadriculado e dividido entre ocidente, leste e não-alinhados. assim, todos os países contavam, quanto mais não fosse porque se não estivessem do ‘lado de cá’, estavam ‘do lado de lá’. daí os subsídios e os apoios competitivos que disfarçaram as debilidades estruturais.

nos últimos 20 anos muito mudou: com o fim da confrontação dos blocos e da união soviética, em 1991, o interesse global decaiu e alguns estados exíguos ou problemáticos converteram-se mesmo em estados falhados. foi o caso da somália, onde um vaguíssimo governo governa só uma parte da capital, protegido pelas forças das nações unidas. no resto do país instalou-se o crime organizado, que se dirigiu à pilhagem no mar, mais rico que a terra. assim voltou a pirataria.

outro problema são as secessões das comunidades integradas num mesmo estado, mas que querem separar-se: cada nação, real ou imaginada, quer ter o seu estado; foi o caso da eritreia e agora do sudão do sul. a checoslováquia já se dividira e em grande escala tinham acontecido as fragmentações da união soviética e da jugoslávia.

e há ainda os governos de coligação, encorajados pelo exterior para evitar a guerra civil, como são os casos do quénia e do zimbabué.

a ‘comunidade internacional’ (em rigor a ‘sociedade internacional’, segundo a terminologia de tönnies), representada simbólica e legalmente pelas nações unidas, tem tentado introduzir alguma ordem na anarquia e caos crescentes, com a colaboração da ue (que geralmente paga algumas contas) e da nato (que trata das formas superiores de luta). mas debate-se com a contradição entre dois princípios fundamentais da ordem internacional – a soberania nacional e a intervenção humanitária.

na dúvida, a decisão tem sido ditada pelos media, pelas grandes cadeias de televisão internacional – cnn, bbc, sky news, al jazeera… foi o que se viu na líbia: depois de kadhafi dizer que tremessem os de benghazi, que nessa noite a sua gente ia por eles, nenhum líder quis correr o risco de chegar tarde para salvar benghazi ou de impedir essa salvação. sarkozy, obama e cameron, cobertos pela decisão da onu, accionaram os mísseis tomahawk e as bombas dos rafale que neutralizaram parte das forças do coronel e salvaram os rebeldes. e os russos e os chineses não obstaram.

mas a intervenção internacionalista humanitária é feita a meias e só com meios aéreos. os rebeldes não são um exército, mas bandos armados, aos quais se tenta dar agora alguma formação militar. não há comando ou controle. e kadhafi vai-se aguentando, tenta negociar, mexe (literalmente) mundos e fundos, ganha tempo, mobiliza antigos devedores gratos.

na costa do marfim foi o mesmo até segunda-feira, 11. as tropas de gbagbo, mais bem treinadas e com o apoio da população de abidjan, aguentavam-se. até que deram o pretexto aos franceses para intervirem directamente: no domingo, cerca de uma dezena de helicópteros de ataque puma, da licorne, reforçada com 1650 homens, lançaram ataques cirúrgicos, enquanto as forças de terra abriam caminho aos homens de ouattara, que capturaram gbagbo.

resta saber, dada a divisão tribal do país, se as coisas ficam por aqui.