Viagra: emancipação masculina

Criado para combater problemas cardíacos, o Viagra deu, afinal, ainda mais adrenalina aos pacientes: oferece erecções a quem já não as tinha pelo avançar da idade. E a quem as quer ter sempre, mesmo em tenra idade – já há mercado negro e festas regadas a álcool e ao célebre comprimido azul.

a cena começa a ser clássica, embora nem todos a percebam. ao entrar numa farmácia, deparamo-nos, ao canto, com um jovem que sussurra algo aos ouvidos do farmacêutico. o técnico finge que não o ouviu bem, pede-lhe para repetir. e o mancebo enrubesce, quase lhe percebemos a subida da adrenalina pela cara, até aos cabelos. ao fim de algum tempo, o senhor da farmácia diz-lhe que não pode ser. só com receita médica. e o rubor da cara quase consome o jovem, como um fósforo. o rapaz retira-se, sem olhar para ninguém.

histórias como esta repetem-se de norte a sul do país, especialmente se estivermos num grande ou médio centro urbano, onde o anonimato pode ser maior (ou o número de farmácias exceder as duas centrais).

e o que pede o jovem? já não se trata do velho excesso de pudor que antecede a compra de preservativos. ‘quero uma embalagem de viagra, por favor’. ao sobrolho franzido do farmacêutico, ele ensaia uma finta: ‘não é para mim, é para o meu avô’. o parentesco pode variar para ‘tio’ ou ‘pai’, mas o que ele pretende é uma erecção rápida e duradoura, que lhe permita transformar-se num verdadeiro macho lusitano quando se encontrar com a namorada à noite.

mas o comprimido azul não lhe será vendido, em princípio, sem receita médica. provavelmente irá tentar obter uma caixinha num obscuro site. entrou-lhe pelos ouvidos, em conversa marialva com os amigos ou em fóruns de despique na internet, que com aquilo ‘é que vai ser’. o viagra não é indicado para ele, mas os mitos das maratonas sexuais são música para ouvidos jovens.

noutro extremo, longe das farmácias, antónio (nome fictício), debate-se há mais de 30 anos com um problema. durante a relação sexual, sente que o pénis «perde a força, fica sem reacção». apesar de se cuidar, com exames regulares à próstata, o problema foi sendo relativizado ao longo dos anos pelos médicos que o assistiram. decidiu, aos 64 anos, ir a um urologista experiente, o médico com a especialidade própria para estas coisas.

é, à partida, pela idade, um caso indicado para o célebre comprimido azul. ou para o cialis, amarelo e em forma de elipse, que, pela duração com que consegue manter um pénis erecto – 36 horas de disponibilidade, sempre que houver estímulo – é conhecido como o ‘comprimido do fim-de-semana’. até porque a actividade sexual de antónio, segundo o próprio, é olímpica: «sempre fui homem com várias mulheres. cheguei a andar com seis ou sete ao mesmo tempo e a ter relações sexuais três vezes num só dia com a mesma pessoa».

não é difícil adivinhar pela história que o seu casamento de alguns anos sobreviveu pouco. antónio persignou-se mas seguiu em frente, de uma forma mais monogâmica, tanto quanto lhe era possível. conjugou a profissão em vendas com uma vida verdadeiramente atlética, que começa pelos bailes, não revela onde. é uma espécie de passatempo coerente com o seu outro hobby, a caça. mas, garante, nunca recorreu «a bares de alterne ou a meninas da rua».

antónio fez exames recentes. e é quando se pergunta pelo tratamento que se esbarra numa convicção surpreendente. «nunca usei o viagra e nunca o vou usar». e se disso depender a continuação da sua vida amorosa? «fecho a porta», garante, de um modo tão imediato como quando deixou de fumar.

o exame que fez era recente, e não havia, por isso, ainda um diagnóstico concreto para as causas da sua disfunção eréctil. antónio pode encontrar-se naquele grupo de pacientes que sofrem da chamada perda de elasticidade dos tecidos conjuntivos do pénis. «as veias não fecham, então o pénis fica ingurgitado e tem dificuldade na penetração», explica o urologista vaz santos, que reparte o seu tempo entre o hospital de são josé e a pelviclinic, uma clínica em lisboa. «o pénis não tem suficiente rigidez para penetrar».

o paciente podia apresentar um leque muito variado de outros sintomas. por exemplo, uma falha no chamado estímulo cognitivo (vem de um comando cerebral como reacção a um estímulo externo) e depois local, pela acção de neurotransmissores (o óxido nítrico).

ricardo.nabais@sol.pt