incontestável
nunca houve melhor ocasião para humilhar o ps
vamos deixar-nos de rodeios: nunca houve uma ocasião como esta para o partido socialista ser humilhado eleitoralmente. alguém tem dúvidas?
podemos dissertar, disfarçar, divagar, mas é óbvio que a crise que portugal atravessa e tudo aquilo que tem sido dito, admitido, insinuado, apontado em relação a josé sócrates, à sua pessoa e à sua governação, justificariam que um partido da oposição, fosse qual fosse o líder, vencesse muito folgadamente as próximas eleições.
não, não vou falar do presidente do psd. o que quero aqui sublinhar, com base nas sempre difíceis sondagens, é a exagerada estabilidade das posições relativas dos partidos portugueses.
de facto, a questão não se põe só com o partido liderado por pedro passos coelho.
numa crise tão profunda quanto esta, seria também admissível que os extremos subissem.
ora, de acordo com os estudos disponíveis, nada disso acontece. ps e psd continuam a ser, de longe, os dois maiores partidos. muitas pessoas falam contra o ‘bloco central’, contra o «bloco dos interesses», mas depois o psd e o ps continuam a ter 70% dos votos. por que será?
tantas pessoas dizem mal de josé sócrates, muitas mostram reservas em relação a passos coelho, mas as sondagens continuam a dar-lhes em conjunto dois terços do eleitorado. como entender isto?
entre outros factores, não pode deixar de ser destacado o papel do estado e da administração local no emprego de muitas pessoas, de muitas famílias. mas não será só isso, como é evidente.
manda a verdade dizer, aliás, que essa estabilidade do sistema partidário não é um exclusivo português.
em espanha, no reino unido, na alemanha, tem acontecido uma considerável hegemonia de dois partidos que alternam no poder. com oscilações, é certo, e às vezes com uma pequena força política a servir «de charneira», como na alemanha (onde começam a surgir sinais de possível mudança, como há semanas se verificou com o resultado dos verdes em baden-württemberg, embora marcado pelo desastre ocorrido no japão).
incomparável
sócrates é perfeitamente vencível
a diferença está, todavia, na enorme desigualdade do nível de vida dos portugueses relativamente aos cidadãos desses países. e na cíclica ocorrência, em portugal, de situações orçamentais, financeiras e económicas graves, que poderiam justificar outro tipo de reacções eleitorais.
mas nada disso acontece.
a questão coloca-se, pois, aos líderes de todos os partidos da oposição: ninguém consegue capitalizar devidamente os erros, as falhas, as contradições, as omissões, as distorções, as falsidades, os abusos, as manipulações de josé sócrates?
ouço e leio que sócrates é quase um extraterrestre, que tem qualidades fora do comum, que nunca se viu nada assim.
sinceramente, não tenho essa opinião. já muitas vezes fiz o devido registo das manifestas qualidades de sócrates. mas não caio no exagero de o ter numa conta absolutamente injustificada.
josé sócrates é perfeitamente vencível, especialmente depois de ter estado seis anos no poder e de ter mergulhado o país numa situação que agravou as causas externas da crise. quem pense o contrário, tem de se filiar no clube de fãs do actual primeiro-ministro.
eu sei que quem escreve estas palavras perdeu em eleições disputadas com sócrates em 2005, por uma diferença significativa.
só que não comparem as circunstâncias. josé sócrates estava a começar, não tinha qualquer desgaste e sabem-se as peripécias que desencadearam essas eleições. e o resultado foi, na prática, idêntico ao alcançado pelo psd nas legislativas de 2009. não se compare, pois. aliás, os líderes do cds, do pcp e do be são os mesmos, só o do psd entrou há pouco tempo.
volto, pois, à questão inicial: haverá melhor altura para vencer o ps?
haverá um momento mais favorável do que este para aproveitar o desgaste de sócrates e do seu governo?
incontornável
lá fora, a oposição afirma-se
o início do processo para as presidenciais francesas promete bastante. a posição do presidente sarkozy encontra-se bastante fragilizada. aqui está: ele sente nas sondagens as consequências da crise e dos erros cometidos.
lá é diferente de cá. apresentam-se livremente os candidatos que entendem estar em condições de o ser. ninguém se ofende se outra pessoa do mesmo partido disputar essas eleições – em candidaturas que são, naturalmente, individuais.
por ironia do destino, o favorito, neste momento, é dominique strauss-khan, primeiro responsável do fmi.
é, como se sabe, militante do partido socialista francês, e dessa força política há, pelo menos, mais três candidatos: françois hollande (ex-secretário-geral), martine aubry e, mesmo, ségolène royal.
do campo político de sarkozy é dada como certa a candidatura de dominique villepin. e têm sido faladas, também, as do actual primeiro-ministro, françois fillon, do ex-ministro jean-louis borloo e, talvez, de françois bayrou.
se sarkozy não se apresentar para novo mandato, como alguns ainda admitem, tal é absolutamente inédito. como será se concorrer e não ganhar.
é bom lembrar que josé luiz zapatero também não disputa novo mandato. ou seja, foi atingido pelos efeitos da crise. gordon brown perdeu as eleições. e, também agora, na finlândia, quem chefiava o governo vai para a oposição.
nesses e noutros países as alternativas surgem e afirmam-se. os sistemas políticos agitam-se e respondem às crises e aos seus responsáveis. por cá, tudo é diferente. muito é condicionado, pouco há de normal. a estabilidade, nestes casos, não é bom sinal.
não venham falar em máquinas de propaganda. elas existem, sem dúvida. mas lembre-se o exemplo da aliança democrática, de francisco sá carneiro, e dos que o acompanharam nas vitórias em legislativas num tempo em que a comunicação social era toda estatizada.
aí sim, a ruptura política tinha condições muito adversas. mas estava assumida – sem receios, sem hesitações, sem equívocos, sem confusões. a liderança era clara e tudo foi transparente. principalmente as diferenças e as propostas para o futuro próximo.
é esse o desafio das lideranças dos tempos actuais. de todas elas. estes tempos são muito difíceis. mas cada época tem os seus obstáculos. no tempo das referidas vitórias, ainda existia o conselho da revolução. em 1985 também existia um feroz controlo da comunicação social. e cavaco silva ganhou.
de qualquer modo, repito, nunca houve circunstâncias tão favoráveis como estas. mas não se fale só do psd. todos estão colocados perante esse desafio.