era uma solução, em doses iguais, de preguiça e pragmatismo: já estava na gaveta, pronta a ser usada, sem dores de cabeça adicionais, dispensando, por isso mesmo, quaisquer diligências que trouxessem a comemoração do 25 de abril para o horário nobre da estação pública com propostas novas e minimamente entusiasmantes. bastava, portanto, voltar a exibir o filme de medeiros e juntar-lhe mais uma entrevista a otelo saraiva de carvalho ou uma qualquer reportagem com alguns dos intervenientes na operação militar.
este ano, a rtp1 resolveu tratar o assunto com a dignidade devida, em dois momentos distintos: o óptimo documentário de diana andringa, tarrafal – memórias do campo da morte lenta, e a notável série maior que o pensamento, três episódios realizados por joaquim vieira sobre um dos heróis do combate à ditadura e um dos maiores criadores musicais que portugal alguma vez produziu – josé afonso. ao mesmo tempo que a rtp2 tratava a sua louvável iniciativa de 24 horas de documentários (dia d) com o desprezo que as fórmulas vencedoras muitas vezes acarretam (quem sabia o que passava e a que horas?), o primeiro canal mostrava algo raro nos nossos ecrãs: a celebração de um homem e de uma obra de que o povo avidamente se apropriou, assim que ali reconheceu a sua voz quando as palavras eram matéria demasiado delicada para não implicarem o medo de as pronunciar.
maior que o pensamento é uma homenagem a josé afonso, mas a sua maior virtude é outra: a de dar profundidade a um homem de que, no geral, só conhecemos as canções.