Portugal sob tutela

Em 28 de Maio de 1926, a dívida pública representava cerca de 75% do PIB português. Em 25 de Abril de 1974, esse valor da dívida em relação ao PIB não chegava aos 20%. Viera sempre a descer, apesar de alguns momentos em que a tendência se invertera, como antes do primeiro Governo de Salazar,…

o endividamento crónico do país tivera a ver com factores históricos remotos – como as invasões francesas e a guerra civil de 1828-1834. e com a retórica eleitoralista e a lógica partidária, com que sucessivas e concorrentes clientelas se foram apoderando do estado-administração, para colectar e redistribuir os recursos da sociedade, repartindo-os com os seus amigos políticos e os seus parceiros económicos.

tem sido assim, em democracia, desde a monarquia constitucional até agora, à terceira república.

os estudos de silva lopes, nuno valério, maria eugénia mata e joão césar das neves mostram claramente que a percentagem da dívida em relação ao produto se mantém superior a 50% entre 1865 e 1933, desce aí para manter-se entre 20 e 30% durante o estado novo, ultrapassa outra vez os 50% em 1985, oscila entre os 50% e os 60% até 2000 e, a partir de 2005, dispara até aos 93%.

o endividamento, sobretudo externo, cria uma progressiva dependência do estado – do poder político – em relação ao mercado – ao poder económico. e se os detentores da dívida são estrangeiros isto reflecte-se negativamente na independência do país.

também seria importante saber para que serviu e para onde foi o dinheiro emprestado: destinou-se a investimentos em infra-estruturas necessárias, a equipamentos sociais, à melhoria da qualidade de vida material e espiritual da população? ou foi para elefantes brancos, para satisfazer clientelas grupais, para tapar buracos de amigos políticos, para manter estruturas públicas disfuncionais, para pagar outras dívidas?

nas inevitáveis comemorações do 25 de abril, este ano no cenário de belém, os presidentes – o actual e os seus três predecessores eleitos – fizeram eco das preocupações e lamentações em volta da situação presente.

na obrigatória exaltação da liberdade e da democracia recuperadas, talvez tenham todos esquecido que a liberdade dos cidadãos depende também da liberdade do país. e que um país para ser livre tem de ser independente.

ora, por causa do endividamento externo passamos a estar sob tutela: uma tripla tutela – da união europeia, do banco central europeu e do fundo monetário internacional. são estas entidades quem, como uma comissão administrativa, vão gerir uma parte substancial das finanças e da economia do país, logo controlar a decisão política. o parlamento e o governo que resultem das eleições de 5 de junho têm uma soberania limitada, são como um conselho geral, mediando a ‘legitimidade democrática’ para essa troika.

também já se sabe que os ‘credores’, a europa e o fmi, querem uma forma qualquer de acordo do tipo ‘bloco central’, psd-ps ou ps-psd (com ou sem cds), negócio que terão de aceitar os responsáveis dos dois maiores partidos.

a fórmula, patriótica e democraticamente correcta, é também subscrita pelos ‘quatro presidentes’ e recomendada por ilustres porta-vozes da sociedade civil em vários manifestos.

contra isto, igualmente virtuosos, os homens da ‘esquerda pura e dura’, comunistas e bloquistas, (grandes fomentadores, obreiros e entusiastas da descolonização e das nacionalizações ‘exemplares’ de 1974-75), surgem como paladinos da independência nacional perante o diktat dos credores externos e das instituições que os representam.

razão tinha o herculano, em vale de lobos: «isto dá vontade de morrer!».