Equinócios e Solstícios – 6/5/2011

Em minha opinião, está tudo em aberto. Com o anúncio do acordo com o FMI encerrou-se um capítulo – e as pessoas não vão querer ouvir falar mais sobre estes tempos tão desagradáveis que a sociedade portuguesa atravessou.

novidade

o acordo com o fmi foi um suspiro de alívio

foram semanas de ‘cogumelo em cima de portugal’. pairou sobre o país uma nuvem de disposição negativa sobre o presente e o futuro. terça-feira à noite, no intervalo do barcelona-real madrid, os portugueses receberam ‘música para os seus ouvidos’.

foram meses de um ambiente brutal que quase fez parar todos os circuitos da vida económica. dia após dia, o ambiente geral definhava e acumulavam-se as expectativas negativas sobre o que o futuro reservava a portugal.

nas empresas, nos escritórios, nos ateliês, nos consultórios, nas lojas, nos transportes públicos, nos cafés, em todo o lado, a pergunta era sempre a mesma: «e agora?».

vá lá saber-se até que ponto eram fundamentadas em fontes minimamente credíveis as informações que andavam no ar e que alimentavam os receios de muitos e muitos portugueses.

desde os subsídios de férias e de natal até aos despedimentos, às pensões, quase se davam por adquiridas decisões drásticas.

aafinal, na terça-feira, à hora do jantar, parecia natal e páscoa juntos. josé sócrates não deu uma única má notícia. só faltou mesmo, em vez do som dos pavões, ouvir-se uma música natalícia. subsídios continuam, empregos no estado também, pensões só as superiores a 1500 euros estarão em risco…

quase pode dizer-se que, se o psd e o cds soubessem que era assim, tinham querido negociar eles em vez de ser o governo. e o pcp e o be, pensando melhor, até talvez tivessem ido às reuniões.

ninguém tenha dúvidas: quem ouviu o primeiro-ministro naquele dia considerou o resultado bem positivo. ninguém se iluda.

dificuldade

a maioria da população não é atingida pelo primeiro choque

então, se é assim, haverá dúvidas sobre a dureza dos tempos que aí vêm?

claro que não. nos dias seguintes foram sendo conhecidas outras componentes do acordo, que implicam medidas difíceis com consequências pesadas.

na prática, trata-se de diminuir o esforço do estado em grandes investimentos e em prestações sociais, além da privatização de companhias estratégicas.

os cortes no envelope financeiro do serviço nacional de saúde e no subsídio de desemprego são um exemplo da redução das responsabilidades do estado social. a eliminação do financiamento do novo aeroporto é um exemplo no plano dos investimentos. e a privatização urgente da edp é a ilustração do terceiro pacote.

é estranho? até certo ponto! há medidas que, parecendo injustas, podem estimular a economia; e outras que, suscitando preocupações, podem conduzir a poupanças mais ou menos forçadas que, ao fim e ao cabo, conduzam a uma gestão mais equilibrada e mais racional.

há um ponto que suscita imediata ponderação: não haver despedimentos no estado. afinal, há ou não pessoas a mais? e, se não há, então os despedimentos e o desemprego ficam só para o sector privado?

de qualquer modo, com todas as interrogações ainda por esclarecer, no momento em que este texto é escrito sente-se uma lufada de ar fresco. por isso mesmo, o psd, desde a divulgação por josé sócrates e teixeira dos santos, foi tratando de dizer, por eduardo catroga, que teve muita influência nos resultados alcançados.

no geral, as pessoas esperavam um primeiro impacto bem pior. sabendo-o, o primeiro-ministro fez questão de ser ele a dizer ao país o que não constava do acordo.

dois por cento de crescimento negativo, este ano e no ano que vem? mudanças na legislação laboral? subida no imi? irs no subsídio de desemprego? menos diferenças fiscais nos açores e na madeira? mudanças na justiça? eliminação de autarquias?

sem dúvida que é um acordo exigente. mas a generalidade da população não é atingida pelo primeiro choque. daí o sentimento de alívio que se sentiu um pouco por todo o lado.

capacidade

tudo vai depender de como passos coelho e portas se portarem

como disse no início, os portugueses vão estar com pouca paciência para ouvir falar muito das culpas do passado recente ou remoto. é injusto, principalmente, se pensarmos nas responsabilidades de josé sócrates no estado a que o país chegou.

só que os portugueses vão premiar com a vitória nas eleições, não os menos culpados pelo passado, mas os mais capazes para o presente e o futuro.

foi tão mau, tão mau, o que se ouviu, principalmente desde a queda do governo, que ninguém quer voltar à ansiedade traumática desses dias em que ainda não se conheciam as cláusulas agora divulgadas.

obviamente que o passado das diferentes forças políticas e dos seus responsáveis não será de todo apagado. mas os portugueses já ouviram falar muito nisso. agora todos queremos saber quem terá mais condições para conduzir portugal nos tempos bem exigentes que nos esperam.

por isso mesmo, repito, tudo é possível. mas depende dos líderes partidários – e do modo como vão gerir a sua relação com a opinião pública, na sequência do acordo com a troika.

o alívio não pode gerar ilusão. portugal passou a viver sob um certo regime de protectorado, e todos devemos ansiar pelo dia em que reassumamos a normal condução dos nossos destinos. há exigências da ajuda externa que, em condições normais, não seriam aceites. nomeadamente, em sede de sistema fiscal.

já se sabe que o discurso e o estilo de josé sócrates já cansam muito e muitos. a questão está em saber se as alternativas conseguirão mobilizar e convencer os eleitores. só depende agora dos próprios. nos debates televisivos, mas também todos os dias. no que disserem e como o disserem está, naturalmente, a solução.