com a declaração da ilegalidade da norma fica criado um vazio legislativo: as infracções à segurança no trabalho que foram praticadas ou estavam pendentes nos tribunais antes de setembro de 2009 ficam sem sanções. são milhares de euros que deixam de entrar nos cofres do estado.
o caso remonta ao início de 2009, quando o ministério do trabalho, então liderado por vieira da silva (actual ministro da economia) alterou o código laboral. o diploma foi aprovado em conselho de ministros e depois no parlamento sem que ninguém detectasse o erro: o legislador esqueceu-se de incluir no texto da nova lei as coimas relativas à segurança, higiene e saúde.
quando a omissão foi identificada, a lei já estava em vigor. o ps optou por avançar com uma rectificação. a oposição em peso votou contra, argumentando que se tratava de uma mudança substancial na lei e não de uma simples correcção – que só é admitida para corrigir erros ortográficos ou de conformidade entre o texto aprovado e publicado. vários especialistas em direito do trabalho alertaram então para o perigo de uma ‘amnistia’.
em pouco tempo, vários tribunais vieram dar eco à advertência. o primeiro foi o tribunal do trabalho do barreiro, que considerou a rectificação «ilegal e inconstitucional». depois, foi o tribunal da relação de évora a qualificar a alteração como «ilegítima» e uma utilização «indevida e lamentável de um expediente legal, em manifesta fraude à lei».
no final de 2009 o caso chegou ao tc, que considerou a norma inconstitucional «por violação do princípio da segurança jurídica, inerente ao modelo do estado de direito democrático». um segundo acórdão chegaria à mesma conclusão. já este ano, em fevereiro, saiu a terceira decisão do mesmo teor, o que abre caminho à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. de acordo com informação de fonte oficial do tc, este processo ainda não foi iniciado, mas deverá sê-lo «em breve».
estado fica sem as coimas
a declaração de inconstitucionalidade provoca um vazio legislativo que se prolonga de fevereiro a setembro de 2009, altura em que o governo publicou a regulamentação do código do trabalho, voltando a inscrever as coimas na lei. mas as consequências vão muito para lá deste período: dado o princípio da aplicação da lei mais favorável ao arguido, todos os processos sobre higiene e segurança que tenham dado entrado em qualquer tribunal do trabalho até fevereiro de 2009, quando entra em vigor o diploma sem as coimas, ficam sem sanção. mas não só. os processos que tenham sido intentados após setembro do mesmo ano, mas com factos que remontem àquele período, ficam na mesma situação.
questionada sobre o número de processos abrangidos e o valor das coimas que ficaram por cobrar, a autoridade para as condições no trabalho disse ao sol não dispor destes dados.
as coimas são aplicadas em função do volume de negócios das empresas, podendo chegar a um máximo de 600 vezes uma unidade de conta (102 euros), cerca de 60 mil euros. o caso de évora, por exemplo, envolvia uma sanção de 11 mil euros, que caiu.
luís gonçalves da silva, jurista especializado em direito do trabalho, não tem dúvidas de que «estarão seguramente em causa largos milhares de euros», admitindo que o valor possa chegar às dezenas de milhar. josé paulo carvalho, deputado independente que em 2009 detectou a omissão, fala numa «amnistia geral».