Paulo Futre: ‘Tinha orgulho em passear o fato-de-macaco na rua’

Paulo Futre, em entrevista ao SOL. A primeira parte de uma conversa que aconteceu numa curta passagem por Portugal, antes de dois meses de digressão pelo país para promover a sua biografia. Que promete.

como preferes que te trate? por tu?

porra! queres chamar quê, senhor? isso não existe no meu vocabulário.

que memórias tens da tua infância no montijo?

do meu grupo de amigos. éramos uns bandidos, entre aspas. sempre com a bola.

o que faziam além de jogar futebol?

de tudo. de meter respeito aos betinhos até roubar. a grande maioria era de famílias humildes. alguns passavam fome, eu não. em minha casa havia sempre comida, nem que fosse pão com açúcar ou sopinhas de leite.

roubavas por rebeldia?

mais pelas companhias. não roubava para comer, mas por um chocolate talvez.

integravas-te facilmente?

menos nos betinhos. no montijo havia o café dos ricos e, dividido por um beco de um metro, o café dos pobres. eu ficava com os da minha classe social, mas tinha uma mais-valia. é que os betinhos queriam jogar à bola comigo. dava-me bem com todos por causa do futebol

tiveste problemas com a polícia?

as balas passaram-me sempre ao lado. uma vez vinha de um jogo e tinham ido todos dentro. foram assaltar a escola do montijo. eu tive sempre sorte, também porque era protegido pelo grupo. já estava no sporting e tiravam-me sempre do filme. muitos estiveram presos mais tarde e fui vê-los à cadeia.

quantas pessoas viviam em tua casa?

a minha avó, o meu pai e a minha mãe no quarto e eu e o meu irmão no sofá-cama, com o penico. não havia casa-de-banho. mais tarde o meu pai fez a casa-de-banho e mais um quarto. ele era um grande jogador de cartas, era o ‘pelé da loba’, um jogo típico aqui da zona, e num verão ganhou dinheiro para as obras. eu e o meu irmão passámos a ter cada um a sua cama.

o que faziam os teus pais?

a minha mãe era doméstica e o meu pai era empregado de escritório.

davas-te bem com o teu irmão?

sim, apesar dos oito anos de diferença.

lembras-te de alguma zanga?

esteve para me dar duas mocadas quando eu e outros fomos afastados da selecção. já nos tinham avisado para não jogarmos às cartas e uma vez o [seleccionador] josé augusto afasta-me mesmo. cartas e passas, porque também fomos apanhados a fumar. tinha 15 ou 16 anos, o meu irmão agarrou-me pelo pescoço e levantou-me um palmo do chão.

onde passavam as férias de verão?

até aos oito anos na praia do samouco e até aos 17 no parque de campismo da costa, sempre na tenda. depois tornou-se impossível fazer campismo. nos seniores do sporting já não podia sair à rua e ali era impossível ter o mínimo de tranquilidade.

como eras na escola?

até à quarta classe fui um aluno normal. quando entrei no sporting, a escola ficou para segundo plano.

deixaste-a com que idade?

com 13. parei no primeiro ano do ciclo. chumbei por faltas em janeiro, já era repetente e o meu pai pôs-me a trabalhar como bate-chapas. estive até aos 15 anos, quando assinei o primeiro contrato profissional.

o que fazias na oficina?

no primeiro dia, cheguei lá e mandei a tinta toda para o fato-de-macaco novo. ao almoço entrei em casa todo sujo. ‘estás a ver mãe, já viste o trabalhador que sou, já viste o que fiz das nove ao meio-dia?’. e ela: ‘ai filho, que orgulho tenho em ti’. mas que orgulho? tinha dado três marteladas… [risos].foi o melhor dia de trabalho como bate-chapas… tinha orgulho em passear o fato-de-macaco na rua e de o mostrar aos meus amigos. ‘olha lá para isto, pá! sou um gajo de trabalho’. depois fui aprendendo e no fim já conseguia pôr as porradas dos carros no sítio.

os teus pais davam-te muita liberdade?

até aos meus 17 anos, às onze da noite tinha que estar em casa.

e cumprias?

quando chegava mais tarde corria algum risco. o meu pai nunca me tocou na cara, no máximo deu-me uns pontapés no cu. mas dava-me broncas. tinha um respeito incrível por ele. a minha mãe já era diferente. de vez em quando levava forte, mas não doía. com o meu pai bastava ele assobiar à janela para eu ir para dentro. à parte disso, teve sempre uma mentalidade aberta. muitas vezes a minha mãe apanhou-me revistas pornográficas e ele encobria-me sempre.

a segunda parte da entrevista de paulo futre ao sol

rui.antunes@sol.pt

o sol agradece ao restaurante al foz