Equinócios e Solstícios

Sondagens? São um perigo! São um género de agências de rating. Em ambos os casos pode haver manipulação de mercado. Com dolo ou sem ele.

manipulação

sondagens adulteram luta política

quero louvar a decisão de ter sido dado seguimento à queixa de vários cidadãos portugueses contra essas agências de notação financeira.

as sondagens podem ditar o resultado das eleições – lembrava há dias marcelo rebelo de sousa na tvi. oh, se podem!

e escrevo estas palavras numa fase em que a generalidade dos estudos de opinião mais recentente divulgados aponta para um empate técnico entre os dois maiores partidos. não estou, pois, a protestar contra nenhuma sondagem em concreto.

agora, dá que pensar o poder enorme que têm essas entidades cujo estatuto não está devidamente regulamentado.

é uma das grandes lacunas do nosso sistema político.

e isso é tão mais impressivo quanto maior é o recurso a esses instrumentos de análise e comunicação, nomeadamente pelos principais órgãos da imprensa escrita e falada.

estamos numa campanha eleitoral em que foi anunciada pela tvi a publicação de mais do que uma sondagem por semana. e os outros órgãos de comunicação foram atrás.

ora, se com uma sondagem por mês já influenciavam muito, imagine-se o que será com esta frequência de estudos e consequente divulgação.

os governos dos países estão muitas vezes nas mãos destas sociedades comerciais, normalmente de pequena dimensão, às vezes até de base familiar.

a mesma questão se levanta com os órgãos de comunicação e a medição das respectivas audiências. os próprios sabem muito bem como isso ajuda a manter ou a desaparecer um projecto de comunicação.

é muito bonita a competição quando é limpa, com regras, sem batota. mas quando o jogo dos mercados, o jogo político, o jogo eleitoral, o jogo das receitas publicitárias – jogos todos diferentes mas que devem ser todos decentes – são viciados, é uma vergonha.

e quando está em causa um país, a escolha de um governo, o destino de uma nação, ainda mais revolta haver manipulação.

ilustração

repudio os cristãos-novos do anti-socratismo

é evidente que, por vezes, há distracções.

em dezembro de 2008, o jornal expresso publicou em primeira página uma sondagem encomendada pelo ps que anunciava uma folgada vitória de antónio costa, ainda com o cds e o movimento de helena roseta a concorrerem sozinhos. ora, juntando o resultado de roseta (10%) ao de costa, e o do cds (5%) ao meu, a diferença entre as listas cifrar-se-ia em quase 20%. pois sabem quanto foi? 5,3%. repito: 5,3%.

entretanto, a sondagem quase acertou nos valores dos outros concorrentes: 4% para o bloco e 8% para o pcp (que teve 9%).

tudo isto é passado? claro que é. mas revolta. mais uma vez pergunto: serão capazes de explicar, tecnicamente, por que erram sempre contra os mesmos?

tenho pena que a troika não se tenha lembrado de pôr esta questão entre as exigências para uma sociedade verdadeiramente competitiva, que precisa de transparência a todos os níveis. não se pode viver nesta batota institucionalizada.

podia dar-vos muitos outros exemplos de manipulações objectivas. é evidente que, depois, há sempre telefonemas a pedir desculpa ou mensagens através de conhecidos, procurando explicar que ninguém teve a culpa do sucedido.

a questão essencial é esta: será ou não ilícito um povo ser enganado, ser manipulado, ser induzido em erro? é tão grave quanto as mentiras de candidatos nas campanhas eleitorais. todas essas falsidades deveriam ser sancionadas. incluindo, claro, as das agências de rating.

hoje em dia está na moda dizer que josé sócrates falta à verdade (usando a expressão mais suave que consigo encontrar). não vou discutir. se há alguém que sabe que sócrates distorce a realidade, tirando dessa distorção conclusões graves, é antónio bagão félix e sou eu.

na verdade, o que sócrates fez com o orçamento de 2005 e o suposto e imaginário défice de 6,83% foi, como já disse manuela ferreira leite várias vezes, uma manipulação sem precedentes.

ora, manda a verdade dizer que quase toda a sociedade portuguesa foi conivente com essa inacreditável adulteração da verdade. falo, naturalmente, dos que tinham e têm poder, dos que têm possibilidade de intervenção pública.

o que o primeiro-ministro fez com o orçamento de 2009, com as ilusões criadas aos portugueses, com os aumentos seguidos de cortes, com o adiamento do pedido de ajuda externa, com a mistificação da realidade que levou a esta situação, está, exactamente, na mesma linha de conduta que levou a imaginar um défice em 2005 antes do próprio exercício orçamental.

ora, aqueles que estranham agora, não estranharam na altura. nem o cds, nem o psd. e, em minha opinião, a falta à verdade, a manipulação, a utilização de instituições e documentos oficiais para um truque político de baixíssimo nível é muito pior do que tudo o que aconteceu depois.

compreenderão, assim, que eu tenha muito pouca paciência para os cristãos-novos do anti-socratismo. aliás, tenho estado com especial atenção, porque ainda faltam alguns especialistas em arco-íris…

participação

o psd será capaz?

por mim, desde 2005, nunca tive dúvidas sobre o modo como sócrates exerce o poder e luta para o conquistar. é uma conversa que nos levaria muito longe.

também por isso, sei bem da importância do que portugal vai decidir no próximo dia 5 de junho. a questão que muitos me colocam, nas ruas, na universidade, nos contactos da minha vida profissional, é esta: muito bem, sócrates não pode ser. e a alternativa? é capaz?

claro que os debates, em certa medida, proporcionam algum esclarecimento. mas, ainda no dia em que escrevo este artigo, o dono de um restaurante, simples e agradável, onde nunca tinha ido, pediu desculpa, chegou-se à mesa e disse: «sr. dr., desculpe a pergunta, eu tenho votado no ps e não quero votar mais. mas acha que este psd é capaz?». devo dizer que acrescentou: «o portas tem estado bem, mas eu nunca votei no cds».

tenho a certeza de que não sou o único a ouvir, muitas vezes, esta conversa.