Disfuncional

A figura da família disfuncional é um filão praticamente infindável em terras da ficção.

quer em séries dramáticas, quer em sitcoms. no drama, como é evidente, descobre-se uma família disfuncional debaixo de cada tapete, para onde os podres são varridos até à chegada à inevitável implosão. é um recurso relativamente fácil de dinamitar, mas também por isso cada vez mais delicado de explorar, sob pena de não acrescentar rigorosamente nada à imagem da paradisíaca casa de subúrbios white picket fence (jardim verdejante rodeado da imaculada cerca branca). nessa categoria muito particular, a escrita soberba de mad men marca pontos e a exploração das décadas de 1950/1960, auge do sonho americano e da forte imposição da imagem da família perfeita, constitui um rastilho demasiado apetecível.

na comédia, não custa igualmente perceber a atracção por famílias viradas do avesso. de simpsons a arrested development, exemplos não faltam. mas quando uma série parte da premissa (tão delirante quanto irresistível) de um rapaz e uma rapariga que se conhecem, têm uma noite de paixão, na manhã seguinte ele descobre que ela é uma serial killer, a família dele denuncia-a, ela vai presa, é condenada à morte e electrocutada – já depois de a criança de ambos nascer e assistir à execução ao colo do pai adolescente –, está a assistir-se a algo de novo. dito assim, a seco, raising hope (fox life) parece puro mau gosto e uma péssima desculpa para comédia. mas a verdade é que, politicamente incorrecta que é nas suas escolhas, não passa de um maravilhoso desvario cândido sobre uma família miraculosamente funcional na sua flagrante disfunção.

em raising hope não há igualmente personagens heróicas ou superioridades morais. há apenas o absurdo aceite com normalidade. e isso é saudável.