naturalidades
passos e sócrates são o dia e a noite
devo confessar que tenho apreciado a calma firme de pedro passos coelho. bem como o raciocínio – que conheço desde os dez anos – de francisco louçã. e, ainda, o saber fazer, mais amadurecido, de paulo portas. jerónimo de sousa simpático e coerente e josé sócrates resistente agitado.
todos eram líderes em 2005. e devo dizer que faz falta um debate a cinco, na rtp ou seja onde for, como o que disputámos em 2005. aquele em que jerónimo perdeu, inesperadamente, a voz.
a calma firme de pedro passos coelho foi mais evidente no momento certo: no debate com josé sócrates. não falo de ter, ou não, averbado uma vitória. importante foi ter mostrado o que muitos duvidavam que existisse uma alternativa.
até aí, os muitos que não querem josé sócrates tinham dúvidas, como aqui referi no artigo da passada semana… a partir daí, passos coelho entrou numa nova fase.
como foi público, no sábado passado fiz uma intervenção num comício com passos coelho. comícios, na verdade, já não se usam. têm algo de felliniano… mas a solidariedade, essa, para mim usa-se sempre.
por isso acertei com a direcção do psd essa participação, quando ainda não se conheciam sondagens positivas (na altura em que escrevo estas linhas é a confusão, com sondagens de ‘sabores’ variados…).
nessa ocasião, estive umas horas com o presidente do psd. apesar de nos conhecermos há cerca de vinte anos, nunca tínhamos participado em conjunto numa iniciativa política.
e aí pude confirmar a minha ideia: em muitos aspectos, passos é o contraste quase absoluto com o actual primeiro-ministro.
é normal que os portugueses saibam que estão perante duas escolhas bem diferentes. dois caminhos que não se confundem. apesar da cartilha comum do acordo de ajuda externa.
existe uma forte sensação de que portugal precisa de regressar a várias normalidades. entre elas, poder respirar-se livremente no sistema político; poder ser-se diferente no pensamento sem se ser discriminado; respeitar-se o estado sem que isso implique a aceitação de qualquer controle indevido.
pedro passos coelho estudou os dossiês. é afável, sabe ouvir, tem uma linha de orientação estabelecida. escolheu um caminho, a que chamam de liberal. ou, mesmo, de ultraliberal. o que, manda a verdade dizer, pouco o tem impressionado.
singularidades
ultraliberalismo e habilidades socialistas
a propósito de liberal e de ultraliberal, recordo este texto:
«a onda liberal, na dupla visão da democracia e da economia de mercado, predomina num período muito curto de tempo: o muro de berlim, os modelos autoritários colectivistas do terceiro mundo. mas não em frança. a genialidade táctica dos socialistas, a infiltração de instituições de cultura e aprendizagem, os laboratórios que fabricam o discurso dominante, os meios de comunicação normalizados, conseguiram singularizar o nosso país.
a ‘nomenclatura de estado’ trabalha para manter os franceses longe da realidade externa, cultivando a nossa ‘excepção cultural’ sem jamais a definir; pois a estratégia isolacionista não requer defini-lo.
sobre o uso defensivo da sua cidadela nacional, os socialistas lançaram no início dos anos 90, com algum sucesso, um novo míssil chamado ‘ultraliberalismo’.
desde que a palavra foi colocada em órbita, quem é liberal é obrigado a situar-se, não face ao liberalismo, mas a demarcar-se do ultra-liberalismo».
este texto de guy sorman, conhecido académico francês, consta do seu livro la nouvelle solution libérale, (fayard, 1998).
a nossa relação com frança é assim. influenciam-nos muito, demais em várias matérias.
mas as influências demoram sempre uma, duas ou três décadas a atravessar os pirenéus. assim foi com o constitucionalismo, assim aconteceu com o semi-presidencialismo, entre outros. assim vai sucedendo com os diferentes liberalismos: o político, dos séculos xviii-xix, e o económico, dos séculos xx-xxi.
é essa, exactamente, a questão que se coloca com portugal: continua a ser um país atrasado.
é um atraso diferente de há décadas. já baixou muito a mortalidade infantil, já há muito menos iletrados, muito mais unidades de saúde, escolas, auto-estradas. o atraso, agora, é de organização, agravado pela desertificação, e de competitividade, provocado pela fraca produtividade.
a califórnia, por exemplo, está na costa ocidental do seu continente, mas tem uma grande dimensão. mesmo assim, não escapa ao flagelo do endividamento. portugal sofre com a sua periferia, em vez de viver bem com ela.
previsibilidades
em política é preciso ser capaz de ver antes de tempo
a europa continua só a reagir. ora a grécia, ora a irlanda, ora portugal… amanhã a itália, a bélgica, a espanha? há mais, com dívidas pesadas.
quando se disporão a encarar a situação na sua totalidade e a trabalhar até conseguirem que se entre num novo ciclo da construção europeia?
provavelmente, partes importantes de anteriores tratados ou acordos deveriam ser alteradas ou, puramente, revogadas.
o que tem acontecido com o acordo de schengen em itália, frança e outros países é só um sinal. a união europeia sonhou alto demais? talvez! mas agora importa pouco saber se foram sonhos. que foram erros, tenho a certeza.
a união monetária não pode continuar como está. obama e cameron vão jogando pingue-pongue com a moeda europeia, esperando que o dólar e a libra ganhem. mas, como os tempos vão provando, isto não é bom para ninguém.
em outubro de 2008, escrevi nesta página semanal: «a actual crise pode ter grande parte da sua origem nos estados unidos da américa mas deve servir à união europeia para mudar de vida. todo o mundo tem de mudar de vida, nomeadamente no afastamento da engenharia de produtos financeiros que se mostraram cheios de ficção e vazios de razão». e, mais à frente, no mesmo artigo:
«a união europeia tem de acordar – e não pode ficar-se por declarações, como a da sra. angela merkel, formulando votos para que o congresso dos eua tome as decisões essenciais para salvar também a economia europeia.
a crise é global e a resposta tem de ser global. e, aqui, durão barroso e a comissão europeia têm um papel crucial a desempenhar.
ou a união europeia mostra poder e arte para guiar os seus povos ou perderá parte considerável do crédito até aqui acumulado. a incapacidade de reagir à crise, somada ao impasse do tratado de lisboa, significaria peso a mais para a união, para os seus órgãos e para o seu modelo de funcionamento.
em 22 de fevereiro de 2009, escrevi neste espaço: «o mundo todo precisa de sentir que se está a começar a caminhar para essa ‘nova ordem’, principalmente no sistema financeiro. planos de estímulo à actividade económica, sem que as velhas e obsoletas regras mudem, podem significar deitar mais dinheiro para um poço sem fundo – ou estar a contribuir para um dinamismo económico artificial, com novos postos de trabalho condenados a ser efémeros». e, mais adiante, no mesmo artigo:
«temos de caminhar todos nesse sentido do equilíbrio e do bom senso, mas não caiamos na demagogia populista de culpar apenas os banqueiros. o falhanço, o malogro, o fiasco, foram generalizados. ninguém conseguiu acordar a tempo: instituições financeiras, sem dúvida, mas também governos, entidades reguladoras, organizações internacionais e bancos centrais.
desta vez, porém, os decisores têm mesmo de acordar. os parlamentos devem dar o exemplo criando comissões extraordinárias para a ‘nova ordem internacional’ – convidando autoridades, universidades, o sector financeiro e outros sectores económicos a sentarem-se à mesa e trabalharem na procura de soluções.
enquanto isso não acontecer, a confiança não volta. confiança, por um lado, e novas regras, por outro, são duas faces da mesma moeda. a nova moeda que urge encontrar e pôr rapidamente a circular».
há muita gente com fantástica reputação mas que tem um problema: só acerta no totobola à segunda-feira. na política e nos vários domínios do saber que a integram é necessário ter a capacidade de perceber o que vai acontecer antes de a realidade chegar.
não se trata de ter razão antes de tempo. trata-se, isso sim, de agir a tempo – em vez de reagir tarde demais.