o aluguer do útero é desde 2006 “punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias”, segundo a lei da procriação medicamente assistida.
a proibição não impede que mulheres em portugal aluguem o útero por montantes que vão até aos 100 mil euros, segundo testemunharam à agência lusa “barrigas de aluguer”.
amélia (nome fictício) tem 24 anos e foi a “situação financeira” que a levou a fazê-lo. o emprego “mal dava para pagar as contas” e perseguia o sonho de ter casa própria.
viu no aluguer do útero uma “forma rápida de ganhar um bom dinheiro” e vai no segundo contrato que em breve deverá resultar em mais uma gravidez.
quem a procura, nomeadamente pela internet, são “casais impossibilitados de ter filhos, mulheres com medo de modificar o corpo, casais homossexuais, homens que não querem responsabilidades com a mãe dos filhos ou pessoas sozinhas que precisam de companhia”.
era português o casal a quem entregou a primeira criança. sem especificar quanto recebeu, diz que normalmente os preços vão de 30 a 100 mil euros, “para casais com uma vida financeira resolvida”.
o resto pouco interessa. “não me interessa saber quem é, até porque não os vou ver mais na vida. desde que respeitem as cláusulas do contrato e não maltratem a criança, não queremos saber nada da sua vida. quanto mais soubermos, pior”.
a inseminação que conduziu à gravidez foi feita numa clínica em portugal, o que a lei proíbe: “o dinheiro compra essas coisas”, afirma.
o casal acompanhou a gestação. “sentem-se realizados”, diz amélia, que reconhece que, para este “trabalho”, é preciso preparação mental. “é normal trabalharmos a nossa cabeça, sempre em negação de ter uma criança”.
nem todas o conseguem. alice (nome fictício), 22 anos, decidiu ser “barriga de aluguer” porque, por um problema de saúde, precisou de dinheiro.
um amigo disse-lhe que um casal homossexual num país europeu procurava uma “barriga de aluguer”. aceitou “sem pensar” e hoje garante que não foi por ganância, mas por “necessidade”.
do casal que a procurou sabe pouco. “não quis saber muito sobre as pessoas, pois quanto menos me envolvesse, melhor”, contou.
a oferta que aceitou foi 30.000 euros, dos quais alice recebeu 15.000 para iniciar o processo. mas, à medida que o tempo passava, começou “a pensar que estava a fazer um negócio, a tratar um ser humano como um objecto de troca”.
mesmo assim, avançou. fez os procedimentos de preparação para uma inseminação artificial “sem tocar num cêntimo”.
a técnica foi feita numa clínica em lisboa, na qual alice nem precisou de falar, pois era um estabelecimento “de confiança da pessoa que queria a criança”.
na hora de fazer a inseminação, desistiu. “por muitas que fossem as necessidades, o meu coração de mãe falou mais alto. devolvi o dinheiro e o assunto ficou por aí”, disse.
“conheço pessoas que foram até ao fim e arrependeram-se. por mais que finjam que está tudo bem, e tenham tentado não se apegar à criança, chega a hora em que aparece o sentimento de culpa de ter dado um filho por dinheiro”, assegura.
segundo alice, “a crise já duplicou a disposição de mulheres para este negócio e, quem o procura, aproveita pois sai mais barato e escusam de ir à índia, onde é legal”.
alice ainda hoje recebe propostas. de casais desesperados por um filho que oferecem o que têm e não têm. alguns não conseguem chegar ao valor pedido e oferecem carros.
são propostas como estas que joana (nome fictício), 26 anos, está a analisar há três meses.
espera apenas acabar os estudos antes de a barriga começar a ver-se e está a tentar organizar-se para não precisar de estar contactável após o parto e não ter de dar satisfações sobre o destino da criança. para isso, conta passar algum tempo noutro país, se o casal concordar.
joana já recebeu várias propostas. não equaciona fazê-lo por menos de 40 mil euros e até recebeu ofertas superiores, mas só avança quando se sentir segura: “é um grande passo, mas tento pensar que estou a ajudar um casal, que a criança vai ficar bem e ser muito amada e que eu vou finalmente poder tirar ‘o pé da lama’”.