O voto em branco: Uma ovelha negra, cada vez mais branca nas eleições em Portugal

Votar é a pedra angular de qualquer democracia considerando neste contexto todas as formas de expressão de cidadania, quer pelo voto num dos partidos candidatos às eleições, quer pela opção do voto em branco.

muitas vezes, o voto em branco é confundido com o acto de abstenção ou voto nulo. todavia, ele tem um significado político próprio: o eleitor não atribui a nenhum partido, capacidade e competência necessárias para governar o país da forma que ele, enquanto eleitor, entende ser a mais correcta.

num verdadeiro universo pluripartidário, o voto em branco tem de facto pouca expressão: cada eleitor conseguirá sempre rever-se nalgum partido. o voto em branco ganha importância por um lado, quando os partidos não mostram diferenças significativas entre si, agindo de forma corporativa na defesa dos seus próprios interesses e, por outro, quando lhes é retirada a capacidade de decisão sobre as questões centrais ao futuro da nação. são duas situações que podem ocorrer em simultâneo. nesse caso, torna-se quase recomendável reforçar o significado do voto em branco. é um cenário que entendemos plausível nas próximas eleições legislativas.

quando presenciamos o crescente descontentamento na sociedade portuguesa a respeito dos nossos dirigentes políticos e suas políticas governativas questionamo-nos se isso terá um impacto directo nos resultados eleitorais de dia 5 junho. esperamos que sim!

a sistemática reivindicação do voto útil pelas diferentes forças partidárias, não representa uma alternativa nem séria, nem coerente para o eleitor. o voto útil nas próximas eleições é como tentar decidir em qual das bancas de um mercado de fruta compramos a fruta que queremos, quando toda a fruta que nos vendem está podre. é tempo de agir! votar em branco significa que o sistema partidário não pode continuar a ser mais o que tem sido nas últimas décadas. a rotatividade das maiorias parlamentares tem de ser merecida e não aceite por defeito! as políticas têm de ser profundamente repensadas!

a europa reage já com sinais evidentes desta mudança, com o aparecimento de movimentos de cidadania independentes como o m-15 em espanha. vejam-se as estatísticas, principalmente relativas à parte menos comentada nos media, os votos brancos. nas últimas quatro eleições legislativas, desde 1999, o somatório dos votos brancos e nulos revelaram um crescimento de 2.0% para 3.1% numa década, tendo em conta um universo praticamente constante de 5.7 milhões de votantes. se acrescentarmos a votação obtida pelos restantes partidos sem representação parlamentar, passamos a ter um crescimento de 3.8% em 1999 para 6.2% em 2009. este acréscimo representou, nas últimas eleições legislativas de 2009, 79% da votação atingida pelo partido com menor representação parlamentar e que com ela elegeu 15 deputados! significa isto que em termos teóricos, se o voto em branco fosse considerado, uma boa dezena de deputados na assembleia da república teriam de mudar de profissão.

qual é afinal o valor real do nosso voto no actual modelo de democracia parlamentar? no contexto actual esta pergunta faz ainda mais sentido, uma vez que o programa acordado com as entidades europeias e o fundo monetário internacional reduz toda e qualquer margem de manobra ao futuro governo, qualquer que ele seja, até 2013. o verdadeiro programa eleitoral para a próxima legislatura não foi escrito por nenhum partido português. foi redigido no passado dia 3 de maio com o título “portugal: memorandum of understanding on specific economic policy conditionality”. documento este que ainda hoje não tem uma tradução oficial em português, nem tão pouco foi distribuído aos eleitores enquanto único panfleto de propaganda eleitoral verdadeiramente genuíno e objectivo. o voto nas próximas eleições, se não for em branco, será um voto meramente simbólico, que servirá quanto muito para legitimar as decisões políticas já assumidas anteriormente. qualquer que venha a ser o resultado das próximas eleições e o programa eleitoral maioritariamente sufragado, este estará sempre condicionado ao programa pré-eleitoral apresentado pelo “triunvirato” e “sufragado” pelos três partidos que se apresentam ao eleitorado com condições e “disponibilidade” para nos governar. é bem verdade que o voto em branco, assim como o voto nulo e a abstenção, não legitimam ninguém para governar, contudo retira legitimidade a todos quantos se apresentem a eleições sem merecerem a nossa confiança. mais do que nunca é o que está em causa na futura composição do nosso parlamento. à consideração dos leitores.

ricardo f. branco e pedro g. lind