A nova vida das ervas

O saramago, confundido no campo com uma erva daninha, cozinha-se como qualquer hortaliça. As plantas silvestres e as ervas aromáticas não são apenas o alecrim ou o manjericão. Há muitas espécies a serem recuperadas pelos chefs

gelados, soufflés, espumas. na cozinha de ljubomir stanisic «todos os pratos levam ervas aromáticas». o chef de origem jugoslava, a viver em portugal, faz até gelatinas com coentros, hortelã da ribeira e lúcia-lima. neste caso, o único requisito da planta é ser «fresca», mas para o chef todas têm utilidade. «é como usar um peixe, e até com mais opções de preparação», realça.

ainda na semana passada, stanisic esteve na serra da estrela num curso sobre plantas e ervas silvestres, onde aprendeu a fazer arrozes com elas. uma das que acabou por cozinhar foi a carqueja, a mesma planta que luís américo, do restaurante mesa, no porto, diz pertencer ao grupo das «colhidas no monte» cuja tradição se perdeu com o tempo. ainda assim, «é fácil de encontrar à venda». mas o seu destaque vai para o reaparecimento da cherovia no mercado, quando «há muito estava afastada do público».

a razão do desuso, salienta américo, é «a deslocação de grande parte da população para as cidades», mas para maria manuel valagão, investigadora na área da sociologia da alimentação e do ambiente, muitas plantas silvestres comestíveis estão a desaparecer «devido ao processo de produção intensiva, que teve início nos anos 50».

a coordenadora do livro natureza, gastronomia & lazer (edições colibri) diz que muitas variedades autóctones foram substituídas «por espécies comerciais mais rentáveis» e lamenta que haja pessoas sem «disponibilidade para a diversidade de sabores».

por esta razão, elogia «o mérito» da nova gastronomia: «os grandes chefs são nossos aliados». ljubomir não poderia concordar mais com a afirmação e confirma que todos procuram «dar maior e melhor uso das ervas», que são «fundamentais» pelo aroma e pela facilidade de confecção.

maria manuel valagão diz até que, no campo das ervas aromáticas e das plantas silvestres comestíveis, não há restrições nem limites para a «criatividade humana». se por um lado o manjericão, a salsa, os coentros e os poejos têm uma utilidade específica quando estão frescos, os dois últimos são aplicados na cozinha de forma diferente quando secos. «os poejos secos servem mais para sopas de peixe, caldos e fins terapêuticos, tal como as sementes de coentros secas estão presentes nas cozinhas árabe e indiana».

exemplo contrário é o dos orégãos – os portugueses usam-nos secos para aromatizar caracóis, azeitonas e tomate, mas com a venda cada vez mais frequente de vasos com esta planta há quem já se tenha adaptado à sua versão fresca.

apologia do tomilho,paixão pelo dente-de-leão

numa varanda, acaba por ser possível «ter-se tudo o que se quiser», garante maria elvira ferreira, presidente da associação portuguesa de horticultura. a engenheira agrónoma realça o facto de um canteiro protegido ter melhores condições de sucesso do que a plantação de ervas no campo, porque o cuidado que se tem com a rúcula, a hortelã ou a salsa num apartamento é outro.

isto porque, mesmo nos dias quentes e sem chuva do final da primavera, pode sempre colocar-se os vasos dentro de casa resguardados do sol – a plantação obriga a muita água e tempo fresco.

as duas varandas de maria manuel valagão são a prova de que é possível «proporcionar sabores diferentes à família» a partir de um pequeno jardim mediterrânico plantado num prédio. ao todo, possui 16 espécies, entre as quais o serpão, as mentas, o alecrim e a erva-príncipe.

quando não se tem espaço para uma horta de varanda e se dispõe de um espaço ao ar livre, a melhor opção é o tomilho, desde que seja um local com pouca água. «ele procura a secura e as pedras», esclarece maria elvira ferreira.

para a presidente da associação portuguesa de horticultura, hoje assiste-se a um retrocesso positivo no planeamento dos jardins. os relvados importados do norte da europa e que durante anos foram a regra em portugal estão a ser substituídos por ervas e arbustos aromáticos de outros tempos: «daí ser apologista do tomilho».

já a investigadora em sociologia da alimentação perde-se de amores pelo dente-de-leão. confessa até que durante os anos em que preparou o livro natureza, gastronomia & lazer foi a planta que mais a entusiasmou: «é um infestante da relva, que desabrocha aqui e ali, mesmo quando não há espaço para ele. é uma planta com uma vontade enorme de viver».

é do algarve que traz as folhas do dente-de-leão – altamente diurético – que usa em tartes, saladas e outros cozinhados. e como não poderia deixar de ser, elegeu-o para o conjunto das 46 plantas silvestres alimentares e ervas aromáticas que surgem no seu livro e com as quais faz muitas receitas. mesmo as que não se está à espera.

exemplo disso é o saramago, confundido no campo com uma erva daninha e que se usa como qualquer hortaliça verde «em pataniscas e soufflés». ou os talos da carrasquinha, que maria manuel valagão aconselha a utilizar como os espanhóis, em revueltos ou em arrozes e massas.

já a urtiga – depurativa e rica em minerais e vitaminas – tem uma aplicação em sopas e nas modernas tempuras japonesas.

por seu lado, luís américo realça o uso mais inesperado do louro e do tomilho em sobremesas doces e revela que a hortelã é o tempero certo nos seus pratos de peixe.

mas de todas as plantas, talvez se possa dizer que a mais notável a crescer nos campos nacionais sejam as beldroegas. as suas folhas são das melhores fontes vegetais de ómega 3. tal qual um peixe gordo…

francisca.seabra@sol.pt