Reflexão pós-eleitoral

Deixei Lisboa, segunda-feira, 30 de Maio, a caminho de Moçambique, com o PS e o PSD em ‘empate técnico’. Nos dias seguintes, da minha janela sobre o Índico, no Polana renovado, fui sabendo que o PSD ‘descolara’.

quando voltei, no sábado, a ‘descolagem’ fazia a unanimidade das sondagens. e no domingo, antes de partir para o ‘dever cívico’, já me chegara uma sondagem ‘confidencial’ que praticamente reproduzia o resultado que saberia à noite.

acho tonta a construção rousseauniana da ‘vontade geral’, que leva alguns pivôs e analistas a dizer: «os portugueses escolheram».

esta versão do processo democrático, imputando o resultado de milhões de vontades fragmentadas a uma espécie de misterioso poder anímico, colectivo e racional, além de falsa é perigosa. leva à ‘democracia totalitária’.

trata-se de uma coisa mais simples. desde que se deixou de acreditar (como o saudoso bossuet) que deus nosso senhor intervinha directamente na governança dos povos, ungindo os reis para evitar que tudo acabasse a tiro (ou à paulada, entre os tecnologicamente mais atrasados), criou-se um processo pacífico de selecção dos governantes: ‘os cidadãos’ dispõem de uma fracção de ‘vontade geral’ proporcional ao total; votam em certas condições e, assim, escolhem os políticos.

a singularidade nacional foi estas experiências terem sido palco de manipulações e abusos – quer no constitucionalismo, quer na república democrática, acabando na balbúrdia e na força que era suposto evitarem. e dando cabo, entretanto, da economia e das finanças do país.

a terceira república evitou este adn violento do liberalismo (a guerra civil e a instabilidade crónica até 1851) e da primeira república (a ‘ditadura’ disfarçada do partido democrático).

mas desde o princípio, por reacção ao autoritarismo tardio da direita, sofreu das ideias do antifascismo pobrezinho e aplicado do mfa, com os mitos tardios do socialismo, em vésperas de serem abandonados na china e na urss.

pior. como o estado novo fora nacionalista, a nova classe política riscou a nação e o nacionalismo (que catalogou de ‘exacerbado’) do seu léxico. e optou pelo internacionalismo: o ‘proletário’ dos sovietes e o liberal dos eurofílicos.

as ideias têm consequências: começámos no mfa e acabamos no fmi. e a nação – que josé sócrates, curiosamente, descobriu ser antiga e importante no discurso de despedida do altis – está agora sob tutela dos credores.

em democracia parece que não nos sabemos governar. dentro de um clima de cepticismo e desconfiança (mais de 40% dos eleitores, o record nas legislativas, não votaram), o psd de passos coelho e o cds-pp de paulo portas conseguiram a maioria popular e parlamentar para um governo de legislatura. com um presidente da república que, à partida, pertence à mesma família política.

ao mesmo tempo, puniu-se o despesismo crónico deste ps e o bolorento esquerdismo caviar do be (trotsky e maio de 68!!!). já o pcp, partido idoso e desinternacionalizado pelo fim da urss, deu provas de saudável resiliência.

é a última oportunidade de, em democracia, tornar o país um lugar normal, decente e vivível para os portugueses. mas para além das contas e de todo um programa de austeridade financeira e económico-social, que terá custos humanos dolorosos, é bom que não esqueçamos esta comunidade de passado e de destino que é a nação.

porque a humanidade é demasiado grande e a família pequena para tratar do que é de todos. e a europa, pelos vistos, não passa de um banco comercial de toma-lá-dá-cá. com juros.