em entrevista à lusa, a poucos dias do primeiro aniversário da morte do prémio nobel da literatura português, a 18 de junho de 2010, o editor da caminho levantou um pouco o véu sobre a história e as personagens de clarabóia, que classificou como «um bom romance», onde se encontram já esboços do que viriam a ser as obras seguintes de saramago.
«vamos publicá-lo no final do ano. em outubro ou novembro estará pronto. eu já tenho comigo o original, estamos a trabalhá-lo – e está completo. ou seja, é possível publicar o livro sem qualquer interferência, não lhe falta nada, não lhe falta nenhum bocado. trata-se de um romance e é um romance interessantíssimo. eu já o li – mais do que uma vez – e lê-se muitíssimo bem. tem um grande número de personagens, mas aquilo tudo muito bem articulado, muito bem contado», disse à lusa.
quanto ao tema, o editor foi descritivo: «toda a gente sabe o que é uma clarabóia, não é? existe em muitos prédios que têm uma escada interior de acesso aos andares, está no cimo da escada, no telhado, para iluminar essa escada. o josé saramago imagina um prédio que tem rés-do-chão e dois andares ou três, cada andar está ocupado por uma família, as famílias são todas completamente diferentes e ele conta-nos a história de cada uma delas».
o romance «é muito rico, é muito diverso e lê-se muitíssimo bem. e nota-se que já tem ali algumas coisas que o josé saramago viria a desenvolver mais tarde… e tem até um personagem que, de alguma maneira, é o saramago debatendo-se com os seus próprios problemas e, nomeadamente, com um problema que ele nunca resolveu, que é o optimismo e o pessimismo: se a humanidade é recuperável ou não – isso está lá – e que atitude deve cada um de nós tomar, sentirmo-nos responsáveis por aquilo que se passa à nossa volta e intervir ou acharmos que não temos nada a ver com isso e afastarmo-nos de qualquer intervenção na sociedade», resumiu.
«isso já está aqui neste livro e é o núcleo central da definição de outras personagens do livro. e é muito curioso vermos que, sendo embora um livro com um estilo completamente diferente daquele que o josé saramago adoptou a partir do ‘levantado do chão’, no entanto, ele já lá está. eu acho que é um livro que vai suscitar muita curiosidade e vai ter muitos leitores. porque se lê bem e é riquíssimo de significados», argumentou o editor.
«ele tinha uma necessidade de fazer coisas, de ser activo, tinha a obsessão de evitar ser uma espécie de ricardo reis [heterónimo de fernando pessoa sobre o qual publicou um romance em 1984, “o ano da morte de ricardo reis”] que, aliás, já está aqui no ‘clarabóia’. há aí uma personagem, um jovem, que aluga um quarto num dos apartamentos do tal prédio e que tem como filosofia não se comprometer com nada. e quando sente que está a ganhar raízes, corta-as e vai-se embora, vai fazer outra coisa. e por isso, o rapaz não tem namorada, porque não quer raízes, não quer ter nenhuma espécie de responsabilidade em coisíssima nenhuma», revelou zeferino coelho.
«e isso já é apresentado neste livro – há várias discussões entre o rapaz e o homem que lhe alugou o quarto, que é um sapateiro –, era um tema de que saramago estava sempre a falar, porque esta é a filosofia do ricardo reis: o mundo é um espectáculo que não é para a gente intervir, é só para a gente ver. e deve-se evitar, de todas as maneiras, intervir no mundo. e o saramago pensava exactamente o contrário. tinha uma atitude cívica permanente», comentou.
trata-se de um romance que o escritor optou por deixar inédito e que agora será conhecido. zeferino coelho explicou porquê, contando a história: «ele escreveu-o no princípio dos anos 1950, o livro foi entregue à editora nessa altura e, depois, a editora não disse nada e, aparentemente, o próprio saramago se esqueceu do livro – nunca mais ouviu falar dele e esqueceu-se. até que, nos anos 1980, recebeu uma carta do editor, dizendo que tinha lá o livro, que o publicaria se ele quisesse e ele não quis. foi lá buscar o livro e devolveram-lho. e é essa cópia que eu tenho agora, uma fotocópia dessa cópia».
na altura – prosseguiu -, «ele disse que não, não tencionava publicar o livro, em vida não queria publicá-lo, mas depois acrescentou que se quisessem publicá-lo depois da morte, sobre isso não se pronunciava, que as pessoas que têm de tratar disso fizessem como entendessem».
«e à pilar pareceu que sim, que era publicável, e a mim também me parece que o livro é perfeitamente publicável… e faz falta, para que nós saibamos o que é que o saramago andava a fazer nos anos 1940 e 1950», sublinhou.
lusa/sol