‘Desde que me assumi, a minha vida tornou-se verdadeira’

Ricky Martin tinha seis anos quando começou a trabalhar. Hoje, com mais de 60 milhões de discos vendidos, é um fenómeno de vendas. Em 2010 assumiu ser homossexual, e diz ter renascido como um homem livre. No dia 23 traz a digressão Musica+Alma+Sexo ao Pavilhão Atlântico. Antes falou com o SOL

o meu ‘portunhol’ está muito bom, obrigada», brinca logo no início da conversa telefónica directamente de miami, eua, onde vive. para logo depois esclarecer que, na verdade, precisa de praticar mais, até porque fará questão – tal como fez no anterior concerto em lisboa – de se dirigir ao público nacional em português.

ricky martin regressa a portugal quatro anos depois do primeiro concerto cá, para apresentar o álbum de originais musica+alma+sexo. as expectativas que traz são muito elevadas: «o concerto em lisboa foi dos melhores da minha vida. o pavilhão atlântico estava completamente cheio e as pessoas tinham uma energia muito intensa e cheia de paixão. estava toda a gente muito alegre e a dançar».

depois de porto rico, canadá, eua, méxico e turquia – perna da tournée que impossibilitará que esteja presente no baptizado do filho de cristiano ronaldo – no dia 23 ricky martin estará em lisboa. o músico porto-riquenho subirá ao palco vestido por giorgio armani, tal como toda a equipa de músicos e bailarinos, para uma hora e 45 minutos de um espectáculo «muito energético, erótico, musical, muito teatral e com arranjos musicais renovados», onde não faltarão os seus maiores sucessos, como ‘maria’, ‘livin’la vida loca’, ‘she bangs’ e ‘la copa de la vida’, bem como os temas do mais recente trabalho.

passaram seis anos desde o último álbum de originais, life, mas ricky martin diz ter necessitado deste tempo. «pude estar mais tranquilo, escrever o meu livro, compor música, estar com os meus filhos e recuperar forças. este álbum é muito real, honesto, livre, latino, romântico… é um álbum que definitivamente apresenta um homem sem dramas».

muita coisa mudou na vida do cantor nos últimos seis anos. sonhava ser pai e poder «reviver a relação linda que tive e tenho com o meu pai». assim, em agosto de 2008, recorrendo a uma barriga de aluguer, foi pai de valentino e matteo. «cada família é diferente e eu sou pai e mãe», disse à data. foram os filhos a grande alavanca para que, em março de 2010, revelasse ao mundo o seu maior segredo: é homossexual.

com apenas um comunicado no seu site, dissipou dúvidas de anos: «tenho orgulho em dizer que sou homossexual e afortunado. sinto-me abençoado por ser quem sou. estes anos em silêncio e reflexão fizeram-me mais forte e recordaram-me que a aceitação tem de vir de dentro». assim que escreveu estas palavras desfez-se em lágrimas, sentiu-se livre. já não aguentava mais, era demasiado doloroso e não queria que os filhos crescessem numa mentira. «não é uma opção sexual, não se escolhe ser homo ou heterossexual. é a natureza e é preciso aceitá-la. para mim foi muito difícil pois cresci a ouvir que eram emoções más, do diabo. isso cria muito ódio. sentimos que somos pessoas más. a partir do momento em que me assumi, ganhei auto-estima, felicidade e dignidade. tudo na vida se tornou verdadeiro».

claro que nada o obrigava a assumir algo privado perante o mundo, mas ricky martin sentiu que devia usar a sua influência mundial para ajudar outros como ele a assumirem-se e assim viverem em paz. «muitos rapazes me contactam agora, até do médio oriente, a agradecerem e a dizerem que agora entendem melhor a vida. a minha carreira é pública, portanto se não contasse ao mundo, seria só uma meia verdade e eu queria o meu respeito mas também o do meu público».

sete meses depois de se assumir, ricky martin foi ao programa de oprah winfrey confessar que estava a viver uma fase muito feliz: «estou numa óptima relação. o amor acontece quando menos se espera e eu não estava à procura de nada», disse sobre a sua relação com carlos gonzález abella, com quem tenciona casar.

nascido para os palcos

enrique martin morales nasceu na véspera de natal de 1971, em san juan, porto rico, filho de um psicólogo e uma contabilista. tinha apenas seis anos quando começou a trabalhar como modelo infantil e em pequenas participações em publicidade e peças de teatro. era acólito e foi no coro da igreja que se aventurou no canto e, após duas tentativas mal sucedidas, conseguiu entrar na boys band juvenil menudo. «para mim foi normal começar cedo, porque eu tinha mesmo muita vontade de ser artista e, como queria tanto, os meus pais apoiaram-me e ajudaram-me. não imagino uma vida diferente para mim», disse ao sol.

cinco anos depois, em 1989, o cantor abandonou a banda para perseguir uma carreira a solo. ainda tentou a sorte como actor, mas em 1991 lançou o cd de baladas românticas, ricky martin. seguiu-se me amaras, mas foi apenas com o terceiro álbum que chegou o sucesso planetário. o cantor abandonou as baladas românticas e entregou-se à fogosidade dos ritmos latinos. o single ‘maria’, de a medio vivir, foi n.º 1 em inúmeros países latinos, mas também em espanha, frança e bélgica. no brasil, foi tema da novela da globo salsa e merengue. «se me pedem conselhos o que digo é que é preciso trabalhar muito para atingir o sucesso».

o álbum seguinte, vuelve, confirmou o sucesso, com o tema oficial do mundial 98, ‘la copa de la vida’. chegaram os primeiros prémios e o coroar deu-se com a exibição na entrega dos grammy, onde estava nomeado para o prémio de melhor álbum do ano. a plateia terminou de pé. na entertainment weekly escreveu-se que «as suas calças de cabedal e uma versão ‘electro-pélvica’ de ‘la copa de la vida’ foi o único momento interessante de uma aborrecida cerimónia».

quando começa a trabalhar no álbum seguinte – primeiro em inglês e castelhano – as expectativas eram muito altas. o primeiro single, ‘livin’la vida loca’ subiu a n.º 1 em mais de 15 países, da índia ao méxico, e vendeu mais de 22 milhões de cópias. o mundo estava rendido ao bambolear sexy de ancas do porto-riquenho.

ainda assim, os trabalhos que se seguiram não atingiram o mesmo sucesso e desde 2005 que ricky martin não lançava um álbum de originais. musica+alma+sexo saiu no início do ano e o primeiro single tem versões em inglês e castelhano – ‘the best thing about me is you’ e ‘lo mejor de mi vida eres tú’. a primeira com joss stone, a segunda com natalia jimenez.

foi no período que antecedeu este álbum que o homem que tem mais de 60 milhões de discos vendidos, um grammy e quatro grammys latinos escreveu a sua biografia, me, e resolveu os fantasmas da sua vida.

sex symbol, amado e desejado por mulheres e homens, começaram a surgir rumores de que seria homossexual. numa entrevista, ricky ripostou: «se fosse gay por que não o admitiria? sou um homem normal. adoro mulheres e sexo». mas as dúvidas persistiam. até porque ricky martin continuava a somar namoradas, como a apresentadora de televisão mexicana rebecca de alba, com quem teve uma longa relação. pensou ser bissexual. «vivia a minha verdade ideal, não podia pensar outra coisa – e isso gerou muito conflito dentro de mim. mas não era uma mentira, a minha mente dizia-me que era o certo. estive perto de me casar várias vezes».

desde pequeno sentia atracção pelo mesmo sexo, mas uma sociedade profundamente religiosa reprimia-lhe esses sentimentos. aos 21 anos teve o seu primeiro grande amor por um homem e ponderou trocar tudo por ele. a mãe percebeu o que se passava e perguntou-lhe se estava apaixonado por um homem. quando ricky confirmou, esta e o pai disseram-lhe: «abraça-nos filho, amamos-te igual e só queremos que sejas feliz. o amor vem de dentro».

com a aprovação dos pais, e os pequenos valentino e matteo, havia chegado o momento de começar a viver. «estou muito agradecido e feliz com tudo o que atingi na vida e que fez de mim quem sou. a minha vida hoje é muito melhor do que era antes».

raquel.carrilho@sol.pt