têm-lhe habitado generosamente os filmes e, a partir de agora, a excelente série boardwalk empire, que o axn black exibe há um mês – scorsese realizou o piloto e produz. é, de certa forma, o regresso de uma televisão que desaparecera com o fim de sopranos e ficara órfã de um olhar com profundidade suficiente para ver além do lado puramente ardiloso do alto crime. por detrás de cada gangster temível há, muitas vezes, um homem de família, que pode muito bem mandar em todo o crime organizado mas ser incapaz de escolher sozinho que calças vestir ou de convencer os filhos a comer a sopa toda.
essa humanização que colocava tony soprano no divã da psicanalista encontra agora outra figura de igual fascínio: ‘nucky’ thompson, numa soberba interpretação de steve buscemi, político local de atlantic city durante a lei seca que enriquece à conta dessa e de muitas outras leis, sempre disponível para corromper e ser corrompido. parte da equipa de boardwalk empire vem precisamente de sopranos, mas o que distingue verdadeiramente a série é o mergulho numa década (anos 20) absolutamente transformadora em termos sociais e políticos na história dos estados unidos – fim da i guerra mundial, voto feminino, lei seca, explosão de night clubs cheios de jazz, início de tempos prósperos até 1929 –, com a vantagem de olhá-la com distanciamento histórico.
scorsese dá o selo de aprovação a boardwalk empire mas lembra também que as séries dramáticas aproximam-se cada vez mais do grande cinema. com uma diferença fundamental, para o bem e para o mal: um filme sabe para onde caminha. uma série tacteia apenas.